quinta-feira, 30 de junho de 2011

Os nomes do amor - 2010

Título original: Le Nom des Gens 
País: França   Ano: 2010
Direção: Michel Leclerc
Atores:Jacques Gamblin, Sara Forestier, Zinedine Soualem, Carole Franck.
Duração: 100 min
Gênero: Comédia


A talentosa Sara Forestier salvando caranguejos em cena de Os nomes do amor

Francesa, pai argelino, grandes olhos azuis e um belo corpo (sempre à mostra). Também esquerdista, não depila as axilas, fala muito, foi violentada quando criança e se descreve como uma "puta política". Ela se chama Bahia Benmahmoud e todo mundo pergunta se o seu primeiro nome é brasileiro. A personagem principal de Os nomes do amor é, por si só, uma obra-prima irresistível.

Devo confessar que, quando a sessão de Os nomes do amor terminou, me deu uma vontade louca de sair indicando-o para mais e mais pessoas, talvez por ter me ressentido do fato de que tantos filmes medíocres são vistos por milhões, enquanto este delicioso filme está fadado a ser visto por poucos, pelo menos em território brasileiro. Talvez o espírito subversivo e questionador da protagonista tenha surtido algum efeito em mim. Fato é que a comédia romântica de Michel Leclerc é um dos meus filmes favoritos do ano.

Os nomes do amor (tradução piegas para o que deveria ser Os nomes das pessoas) conta a história de um homem de origem judia, Arthur Marthin, e uma jovem mulher de origem mulçumana, Bahia Benmahmoud, que se encontram e passam a ter uma história de amor inusitada. Bahia leva ao pé da letra o ditado "faça amor, não faça guerra". Ela leva para cama homens cujo ideal político se diferencie do seu para tentar mudar a mentalidade dos mesmos. E o mais interessante é que normalmente ela consegue. Arthur Marthin é um biólogo que estuda a morte de aves e que não é, particularmente, politizado. Ele vive uma vida aparentemente sem graça, até encontrar Bahia.

Não é por acaso que o filme é intitulado, em francês, de Os nomes das pessoas já que os nomes são extremamente simbólicos na trama. Nomes são uma forma de identidade e cada um carrega em si uma história e pode, até mesmo, ser um elemento que gere discriminação. Assim, os nomes dos  protagonistas nos dizem muito sobre eles. Arthur Martin, nome muito comum na França, indica um sujeito comum, que tem uma vida também comum. Ele, no entanto, poderia ter outro nome, um nome judeu que lhe foi negado no momento do registro, uma tentativa de esquecimento. Seus avós maternos foram mortos no campo de concentração. Bahia, ao contrário, teve sua origem marcada em seu nome e se tornou uma ativista em prol dos direitos não só dos mulçumanos, mas de todas as minorias discriminadas. Bahia é uma rebelde com muitas causas.

Os nomes do amor tem como uma das maiores qualidades o fato de lidar, de forma bem humorada e com um olhar crítico, com temas espinhosos para os franceses, como o racismo. Os direitos dos estrangeiros residentes no país, a xenofobia latente e o preconceito são questões bastante delicadas no país. Paris, por exemplo, onde se passa a história do filme, abriga pessoas de todos os lugares do mundo. O filme toca em um assunto que é, portanto, bastante pertinente e atual no país, ainda mais se levarmos em conta polêmicas recentes como a proibição do véu total (que cobre todo o corpo) para mulheres mulçumanas. O filme também não se exime de falar da Guerra da Argélia e da Segunda Guerra Mundial e de suas consequências para as gerações que se seguiram, os filhos daqueles que foram exterminados. O filme se permite ainda falar da política mais atual (uma das melhores cenas do filme envolve a eleição do atual presidente Nicolas Sarkozy).

Os nomes do amor é uma comédia que consegue ser hilária ao tratar de assuntos muitos sérios (ora, a protagonista, por exemplo, foi violentada quando criança por seu professor de piano). Leclerc acerta ao apostar em alguns recursos que encontramos em filmes de Woody Allen, principalmente se pensarmos em Noivo neurótico, noiva nervosa (1977), como a introdução do sujeito adulto no flashback da infância, os depoimentos para a câmera, a introdução de uma figura real na história fictícia (no caso, o político Lionel Jospin) e outros. Leclerc, que também é um dos roteiristas, investe em um humor rápido, por vezes ácido e sem algum pudor. 

O filme também é bem-sucedido ao construir uma bela história de amor. Mesmo recorrendo aqui e ali a clichês romanescos, como os opostos que se atraem e os famosos mal-entendidos, o filme conseguirá agradar e emocionar os corações sedentos de romantismo. O sucesso do filme, neste aspecto, se deve muito aos dois atores principais: Jacques Gamblin e Sara Forestier.

Sara Forestier, jovem atriz de 24 anos, tem uma  performance absolutamente fenomenal na pele de Bahia. Ela encarna a personagem com um desprendimento e uma falta de pudor maravilhosos e a naturalidade com que ela fala os maiores absurdos é cativante. O filme é dela do início ao fim e ela faz com que nos apaixonemos por sua desavergonhada personagem. A atriz levou merecidamente o prêmio  Cézar (Oscar Francês) de melhor atriz este ano. Jacques Gamblin também faz um ótimo trabalho, principalmente por conseguir expressar tão bem o encantamento do seu personagem por Bahia. O filme conta ainda com os ótimos trabalhos de Michèle Moretti, Jacques Boudet, Carole Franck e Zinedine Soualem.

Os nomes do amor emociona, nos faz rir e ainda dar grandes suspiros. A inteligência e sensibilidade de seu roteiro me faz lembrar outra jóia do cinema francês, O fabuloso destino de Amélie Poulin (2001). O longa, que também fez parte do Festival Varilux de Cinema Francês, é imperdível!

Trailer do filme:



segunda-feira, 27 de junho de 2011

Violência gratuita (Funny Games) - 1997 e 2007

Susanne Lothar excelente em cena de Violência gratuita (1997)
 
Michael Haneke é um diretor e roteirista austríaco, provavelmente o melhor cineasta de língua alemã da atualidade. Antes de ingressar no mundo do cinema, ele estudou filosofia e psicologia em Viena, o que explica, de certa forma, seu interesse por patologias e dramas humanos. Temas como o trauma, a violência, o sadismo, a incapacidade de comunicar-se, a inadaptaçao dos indivíduos, as pulsões irracionais e a sexualidade são trabalhados constantemente em sua filmografia. Primando pela construção psicológica de seus personagens, em detrimento da própria ação, as narrativas de Haneke se caracterizam por serem experiências intensas e perturbadoras. Em Violência gratuita, o cineasta exibe toda sua genialidade. Outros grandes filmes do diretor são: A fita branca (2009), Caché (2005) e A professora de piano (2001).

Violência gratuita, primeira versão, foi lançado em 1997 e fez parte da seleção oficial do Festival de Cannes. 10 anos depois, Haneke fez uma refilmagem americana quadro a quadro, com novo elenco. A discussão de qual versão é a melhor mostra-se, muitas vezes, infrutífera uma vez que Haneke optou por fazer uma refilmagem absolutamente fiel à obra original. Obviamente, quando se assiste primeiramente a versão de 1997, a de 2007 se torna menos impactante e vice-versa. O que me faz preferir a primeira versão é o trabalho extraordinário da atriz Susanne Lothar, o fato de que a língua alemã me soa mais agressiva e sonora do que a língua inglesa e a impressão de que o filme de 1997 é mais escuro e claustrofóbico do que o segundo filme. O elenco da versão alemã conta com Susanne Lothar, Ulrich Mühe, Stefan Clapczynski, Arno Frisch, Frank Giering. O elenco da versão americana conta com nomes mais conhecidos: Naomi Watts, Tim Roth e Michael Pitt. 

Violência gratuita conta a história de uma família de classe média alta, formada pela mãe Anna, o pai George e o filho Schorschi (ou Georgie), que vão passar alguns dias em uma casa de campo no interior. Logo após a chegada da família, eles são abordados por dois jovens ameaçadores, Peter e Paul, que fazem a família de refém. Apesar do título em português não ser uma tradução correta do irônico título original (Funny games), ele representa bem o fato de que não há nenhum motivo aparente para a ação dos rapazes a não ser a simples crueldade humana. Os jogos divertidos do título em inglês não se referem apenas às torturas físicas e psicológicas promovidas pelos dois algozes, mas também à direção de Haneke que brinca, a cada instante, com as emoções e expectativas do espectador.

Podemos afirmar que Haneke cumpre o papel de terceiro torturador no filme. Ele parece se divertir, por exemplo, ao introduzir, inesperadamente, um rock heavy metal na abertura do filme, causando um extremo estranhamento desde esse primeiro momento. Em uma das melhores sequências do filme, ele sugere a presença de um dos torturadores, apenas com o barulho de um objeto associado a ele no início do longa, provocando uma tensão sem precedentes. Violência gratuita parece ser um tratado de Haneke sobre o poder de manipulação da arte fílmica sobre as emoções humanas. O diretor deixa claro, em diversos momentos, que se trata de uma obra de ficção. Peter, por exemplo, se dirige ao espectador duas vezes, comentando suas próprias ações. Ao mesmo tempo, Haneke exibe seu poder de envolver o espectador de forma com que o mesmo sofra e se importe com o destino dos personagens.

Um dos aspectos mais interessantes do longa é o fato de Haneke não exibir, em nenhum momento, nenhuma das ações violentas dos criminosos, que são indicadas apenas pelos sons e pela atuação dos atores. O único momento de violência realmente exibido é aquele que parte da vítima. Neste momento, o espectador tende a comemorar a ação da mesma, ou seja, até mesmo o espectador é maculado pelo desejo de violência. As escolhas de Haneke se mostram sempre inteligentes. Ele, por exemplo, mostra o impacto de uma morte importante no filme, fazendo um longo plano em que os personagens, de certa forma, assimilam o que acabou de ocorrer e pensam o que devem fazer a seguir.

Tanto o elenco do primeiro filme, quanto o do segundo fazem um ótimo trabalho, mas o grande destaque em termos de atuação é Susanne Lothar, a mãe do primeiro filme. A personagem Anna  cumpre uma função importantíssima na trama, ela carrega a responsabilidade de lutar pela própria sobrevivência e a da sua família, enquanto o pai se vê impotente desde o início. Em uma das melhores atuações do cinema, Lothar se transforma fisicamente ao longo da projeção, o esgotamento da personagem é algo real e pungente. É quase impossível conter a emoção face às reações da atriz. É fundamental para o jogo de Haneke, que o público torça por sua heroína e Lothar é a grande parceira do diretor para o sucesso do longa.

O filme conta com uma fotografia que opta pelos tons pastéis e com uma iluminação que vai aos poucos se tornando fraca. A ausência de trilha sonora, exceção feita à introdução do rock já mencionado em momentos pontuais da trama, gera uma sensação de um realismo perturbador. Violência gratuita é um exercício cinematográfico genial. A necessidade do remake é discutível, o que não se pode discutir é o talento de Haneke na construção desta história, que pode ser descrita como um verdadeiro soco no estômago e um  tratado sobre a violência.

Trailer do filme de 1997: 
Trailer do filme de 2007:




terça-feira, 21 de junho de 2011

Potiche - 2010

Título Original: Potiche
Gênero: Comédia
Direção: François Ozon
Roteiro: François Ozon, Jean-Pierre Grédy, Pierre Barillet
Produtores: Eric Altmeyer, Genevieve Lemal, Nicolas Altmeyer
Elenco: Catherine Deneuve , Gérard Depardieu, Fabrice Luchini, Karin Viard, Judith Godrèche, Jérémie Renier, Évelyne Dandry, Sergi López , Bruno Lochet , Elodie Frégé
País de Origem: França
Duração: 103 minutos

Catherine Deneuve e Judith Godréche em cena de Potiche

O Festival Varilux de Cinema Francês traz a 22 cidades brasileiras uma programação imperdível de filmes contemporâneos do cinema de língua francesa. Para conferir a programação, basta entrar no site do festival (http://www.festivalcinefrances.com/). Dentre as produções que serão exibidas, está a comédia Potiche - Esposa troféu, do badalado diretor François Ozon. Depois da parceria no divertido 8 mulheres, ele reencontra a eterna diva Catherine Deneuve, em um filme que é feito para a atriz brilhar. 

"Potiche", que literalmente denomina um tipo de vaso decorado chinês ou japonês, é uma expressão popular usada para caracterizar homens ou mulheres-bibelôs, pessoas que podem até ter alguma posição honorífica, mas que não têm nenhum poder efetivo, sendo usadas, muitas vezes, apenas como um tipo de adorno. É o caso da protagonista do novo filme de Ozon. Suzanne Pujol (Catherine Deneuve) é casada com o diretor de uma fábrica de guarda-chuvas, que é a maior empregadora de uma pequena cidade francesa. A potiche se vê obrigada a assumir o controle da fábrica, quando seu marido se envolve em um sério conflito com o sindicato de trabalhadores local. Ela logo toma gosto pelo poder, causando uma série de conflitos na família. 

Como afirmei no primeiro parágrafo, o filme é feito para Catherine Deneuve e não é de se espantar, por exemplo, que a fábrica comandada pela personagem no filme seja de guarda-chuvas, já que um dos trabalhos mais famosos da atriz é no cultuado musical francês Os guarda-chuvas do amor (1964); uma homenagem sutil e divertida. O filme também promove o reencontro da estrela com outro grande astro francês, Gérard Depardieu com quem ela trabalhou em O último metrô (1980), de Truffaut. Deneuve, com sua elegância e beleza habituais, canta, dança e exibe um carisma encantador em Potiche.

A comédia farsesca de Ozon é ambientada no final dos anos 70. A produção de arte e o figurino inspiradíssimos brincam com o estilo e  a moda deste período. Elementos do filme, como o cabelo à la Farrah Fawcett da filha da protagonista e a dança na discoteca que muito lembra Os embalos de sábado a noite, são referências divertidas à década retratada. Ozon opta também por usar uma palheta de cores variada, criando um filme bem colorido e alegre. 

A trama, que aborda a questão dos direitos das mulheres e da submissão destas diante do poder masculino, não se leva, no entanto, muito a sério. Mesmo que tenha um leve toque subversivo e crítico, a abordagem é, sobretudo, cômica. Em um momento de consagração da protagonista, por exemplo, ela não hesita em agir como uma Evita de cabaré. É exatamente por conseguir surpreender o espectador, indo em direção ao melodrama e fazendo reviravoltas ousadas, que o filme  mostra-se tão divertido. Um momento-chave, nesse sentido, é quando a protagonista revela seu passado sexual.

Contando também com um elenco afiadíssimo, Potiche - Esposa troféu é um filme leve, divertido e que lhe deixará com um sorriso no rosto por muito tempo após sessão. 

Trailer do filme:

sábado, 18 de junho de 2011

Meia noite em Paris - 2011

Título original: Midnight in Paris
País: EUA/Espanha/França  
Ano: 2011 
Duração:100 minutos
Gênero: Comédia 
Dirigido por: Woody Allen
Escrito por: Woody Allen
Estrelado por:  Owen Wilson, Marion Cotillard, Rachel McAdams, Carla Bruni-Sarkozy, Michael Sheen, Nina Arianda, Alison Pill, Tom Hiddleston, Kathy Bates, Corey Stoll, Kurt Fuller, Mimi Kennedy 

Owen Wilson e Rachel McAdams em cena do filme.
Desde 1977, quando lançou o clássico Noivo neurótico, noiva nervosa, Woody Allen nos presenteia com pelo menos um filme a cada ano. O prolífico e multifacetado cineasta de 75 anos é, aparentemente, contra qualquer tipo de folga do cinema e, pelo visto, nem cogita a aposentadoria, uma vez que já está produzindo seu próximo filme, Bop Decameron (2012). Apesar de seus longas gerarem sempre grande expectativa, a última década revelou ser a menos interessante do diretor. Filmes como Dirigindo no escuro (2002), Igual a tudo na vida (2003), Scoop - O Grande Furo (2006) e O Sonho de Cassandra (2007) foram considerados grandes decepções pela crítica. O último lançamento do diretor, Você vai conhecer o homem dos seus sonhos (2010), também não a empolgou. Seus maiores sucessos da década, Match Point (2005) e Vicky Cristina Barcelona (2008), empalidecem quando comparados a obras como Interiores (1978), Manhattan (1979) e o já citado, Noivo Neurótico, noiva nervosa (1977). 

Já há alguns anos, Woody Allen deixou de usar como cenário de seus filmes a sua cidade natal, Nova York, para filmar em cidades européias, como Londres, Barcelona e, dessa vez, Paris. O cineasta explicou que a causa dessa mudança é, sobretudo, econômica, já que filmar na Europa é bem menos oneroso que filmar em Nova York. Seu novo filme, Meia noite em Paris, estreou em Cannes este ano e recebeu uma acolhida calorosa por parte da crítica, sendo um dos destaques do festival. Por enquanto, Meia noite em Paris é o filme de Allen que recebeu as melhores críticas dos últimos anos. Nos sites especializados IMDB e Rotten Tomatoes, o filme tem uma cotação bastante alta. Vale destacar que este último site aponta a produção como o melhor trabalho do diretor desde Tiros na Broadway (1994).

Meia noite em Paris conta a história de Gil (Owen Wilson), um roteirista de Hollywood que sempre  sonhou em ser um grande escritor americano e que viaja a Paris, com sua noiva Inez (Rachel McAdams) e os pais da moça, John (Kurt Fuller) e Helen (Mimi Kennedy). John viaja a Paris para fechar um grande negócio e tanto ele, quanto sua mulher, deixam claro a desaprovação pelo futuro genro. No passeio, Gil ainda tem que suportar um irritante amigo pseudointelectual de Inez (Michael Sheen). Durante sua estada na capital francesa, Gil passa a questionar os rumos da sua vida e de sua obra, se evadindo em um mundo de sonhos e ilusões. Durante uma série de noites, o rapaz faz uma viagem no tempo e volta aos anos 20, convivendo com grandes ídolos, como Fitzgerald, Hemingway, Salvador Dalí, Gauguin, Degas, Cole Porter, Pablo Picasso e Buñuel.

Muitas produções americanas já exaltaram a beleza e o charme de Paris. Talvez a mais famosa entre elas seja o clássico musical Sinfonia em Paris (1951), de Vincent Minelli. O novo filme de Woody Allen entra para a história do cinema como mais uma grande homenagem à capital francesa. O longa funciona, inclusive, como um belo guia turístico, ao mostrar, por exemplo, em sua abertura, sucessivos planos que mais se assemelham a cartões postais em movimento. Mas não é somente a beleza parisiense que é exibida, mas também tudo que é associado à herança cultural e artística da cidade e sua influência sobre grandes nomes da literatura norte-americana como Ernest Hemingway e F. Scott Fitzgerald. 

Gil é um sensível roteirista, completamente apaixonado por Paris e que tem o desejo de se tornar um grande escritor. Ele vive um interessante tipo de nostalgia: aquela por um tempo que não vivenciou, a Paris dos anos 20. O personagem é personificado maravilhosamente bem por Owen Wilson, em seu melhor papel no cinema. O ator compõe um personagem que é, por diversas razões, encantador. Wilson, conhecido por seus papéis cômicos, consegue expressar o drama pelo qual seu personagem atravessa, assim como o entusiasmo do mesmo pela arte. Talvez o momento máximo de sua performance seja quando, em um longo primeiro plano do filme, o ator consegue apenas através do olhar demonstrar todas as emoções vividas por Gil. 

Sonhador, desajeitado, romântico, Gil contrapõe-se a sua detestável noiva, Inez, que assim como seus pais, é materialista, pedante e preconceituosa. Rachel McAdams, que tem no currículo algumas personagens bem irritantes, se supera ao fazer com que o espectador realmente deteste sua personagem. O mundo paralelo de Gil é habitado por grandes nomes da arte que, por sua vez, são interpretados por grandes atores. Kathy Bates, Adrian Brody, Corey Stoll estão absolutamente inspirados e parecem se divertir ao máximo com seus personagens. Já a delicada Marion Cotillard surge, mais uma vez, belíssima como a musa idealizada de Gil. Para mim, uma grata revelação foi Alison Pill, que interpreta Zelda Fitzgerald. Carla Bruni, atual primeira-dama da França, tem uma participação bem pequena e talvez, por isso, não faça muito feio. 

Meia-noite em Paris conta com uma bela fotografia, de Darius Khondji, que ressalta, através das cores, a diferença entre os dois mundos de Gil. Quando este se encontra no passado as cores são mais quentes, levemente puxadas para o sépia. Já a vida real do rapaz é mostrada através de tons acinzentados. O trabalho da direção de arte e do figurino também é genial ao reconstituir 3 épocas diferentes (o presente, os anos 1920 e os anos 1890). Mas um dos aspectos técnicos que mais saltam aos olhos, ou melhor, aos ouvidos, é a belíssima trilha sonora do filme, responsabilidade do também músico Woody Allen. 

Neste novo longa, encontramos ainda pitadas do delicioso humor de Woody Allen e inúmeras referências a grandes artistas e obras, como a bem-humorada passagem sobre o filme O anjo exterminador (1962), de Buñuel . Fazendo uso do realismo fantástico presente também em A rosa púrpura do Cairo (1985), Meia noite em paris é um conto de fadas leve e encantador.

Trailer do filme:




quinta-feira, 16 de junho de 2011

X-Men: Primeira Classe

Os novos rostos do X-Men

A franquia X-Men deve ser elogiada por conseguir manter um alto nível de qualidade em seus capítulos, exceção feita ao medíocre Wolverine (2009). Para relembrar: os dois primeiros filmes (2000 e 2003) foram dirigidos por Bryan Singer e o terceiro (2006) por Brett Ratner. Já Gavin Hood é responsável pelo destoante Wolverine. Juntando-se ao trio de diretores, temos o jovem cineasta Matthew Vaughn, que conta com apenas quatro filmes no currículo, entre eles o elogiado Kick-Ass (2010)

Vaughn exibe a segurança necessária para as cenas de ação do filme e também cria momentos de extrema beleza e sensibilidade, como a sequência no campo de concentração e no escritório de Shaw (Kevin Bacon). Ele também consegue dar bastante dinamismo à obra, prendendo a atenção do espectador do início ao fim da narrativa. O diretor transforma esta prequel (continuação que retoma a origem de uma saga) em uma experiência bastante interessante e, principalmente, enriquecedora para o conjunto dos filmes. Isso só é possível, no entanto, porque o roteiro opta por ser fiel à história e à personalidade dos famosos mutantes. Com bastante coerência, o roteiro escrito a oito mãos (Ashley Miller, Zack Stentz,  Jane Goldman e Matthew Vaughn), nos revela as motivações de personagens icônicos, como Magneto, Xavier e Mística. 

A história de X-Men: Primeira Classe, volta à origem dos dois grandes opositores da saga, Magneto e Charles Xavier, reconstituindo, gradualmente, a causa da rivalidade dos personagens. Incluindo eventos importantes da infância dos protagonistas, o longa acerta ao investir na relação íntima que os dois estabelecem após o primeiro encontro. A trama se inicia no final da Segunda Guerra Mundial e se desenvolve em meio à Guerra Fria. Ancorado, dessa forma, na História, o enredo concilia de forma eficiente acontecimentos verídicos e a aventura dos mutantes. 

X-Men: Primeira Classe aborda questões importantes, presentes nos longas anteriores, como a da auto-aceitação, do preconceito e da exclusão. Justamente por mostrar a complexidade dessas questões é que se torna difícil julgar os posicionamentos de seus protagonistas, já que ambos têm suas razões. Fugindo, portanto, do maniqueísmo, o longa nos apresenta um Magneto que carrega em si a marca de um grande trauma e um desejo compreensível de vingança e um Xavier extremamente humano e inteligente. Os personagens tiveram backgrounds bem diferentes: enquanto Magneto teve que conviver com a dor e a perda desde cedo, Xavier teve uma vida cercada de luxo e comodidades. Apesar de salientar as diferenças entre eles, é na construção da fraternidade dos dois (que pode até mesmo ser confundida com uma certa homoafetividade) que o filme se destaca.  

O elenco deste X-Men faz um grande trabalho. Composto de jovens e bons atores, ele é encabeçado pelos ótimos James McAvoy e Michael Fassbender. Suas excelentes performances estão entre as melhores coisas do longa. McAvoy compõe um personagem que comove por sua humanidade, espírito de liderança e pela doçura do seu olhar. Já Fassbender comprova seu imenso talento e carisma ao construir um personagem forte, endurecido, por vezes cínico, mas fascinante. Jennifer Lawrence, indicada ao Oscar de Melhor Atriz este ano, mostra que veio para ficar, dando à sua Mística grande profundidade (e olha que é difícil fazer o espectador esquecer da deslumbrante Rebeca Romijn, que encarnou a personagem nos filmes anteriores). E qual foi minha surpresa ao descobrir que o menino de Um grande garoto (2002) cresceu e está fantástico na pele de Hank, um dos mutantes com uma das trajetórias mais interessantes da trama! Deve-se destacar também o bom desempenho de January Jones (a protagonista da série Mad Men) e de Kevin Bacon, que, assim como Fassbender, arrasa no filme, ao atuar em diversos idiomas. Bacon prova ser um excelente ator e constrói um vilão inesquecível. (Torço para que o Oscar reconheça, um dia, o talento do ator, normalmente tão subestimado.) 

Os efeitos especiais, como não poderia deixar de ser, são elementos extremamente importantes no longa. Vaughn acerta ao brincar com os poderes dos mutantes, alternando momentos divertidos e de descontração e outros de extrema tensão. A grandiosa sequência final, envolvendo um helicóptero e um submarino, é particularmente eletrizante. A trilha sonora, mesmo não sendo maravilhosa, sublinha bem os momentos dramáticos e cômicos da trama. 

X-Men: primeira classe, apesar de não ser o meu favorito da franquia, é um ótimo filme, que fascina por ser extremamente significativo para o conjunto da obra. Este capítulo da saga faz jus à franquia e à adorada história em quadrinhos e é um icentivo a uma revisita aos outros filmes. 

Trailer do filme: 






domingo, 12 de junho de 2011

Os melhores beijos do cinema - Parte 2

Inspirado pelo dia dos namorados, resolvi fazer a parte 2 da minha eterna lista dos melhores beijos do cinema. Mas não estranhe: alguns beijos fogem do espírito romântico da data. A parte 3 também já está a caminho.

Do filme mais contemporâneo, para o mais antigo:

1 - O segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain) - 2005



O premiado filme de Ang Lee exibe um dos beijos mais intensos do cinema, entre os galãs Heath Ledger (Ennis Del Mar) e Jake Gyllenhaall (Jack Twist). Os protagonistas se reencontram após um longo tempo de separação e não seguram a paixão. A cena revela-se ainda mais dramática uma vez 
que o beijo é assistido pela mulher de Ennis (interpretada pela fantástica Michelle Williams).


Cena do filme (a música não faz parte do filme):


2 - Cassino (Casino) – 1995


O beijo entre Joe Pesci e Sharon Stone não tem nada de romântico, pelo contrário, é considerado o beijo mais repulsivo do cinema. A cena é tão feia que foi impossível encontrar o vídeo do mesmo. Mesmo assim, é um beijo inesquecível do cinema. O filme em questão é Cassino, do mestre Martin Scorsese. Neste filme, Stone tem, provavelmente, a melhor performance da sua carreira.

Trailer do filme:


3 - Minha adorável lavanderia (My Beautiful Laundrette)– 1985



O ótimo filme britânico de Stephen Frears conta a história do amor insólito entre um badboy ex-skinhead inglês e um jovem ambicioso de origem paquistanesa, interpretados, respectivamente, por Daniel Day-Lewis e Gordon Warnecke. Um amor proibido, subversivo, que cruza barreiras sociais. Nesta cena de amor, eles estão prestes a serem flagrados pelo gerente da lavanderia onde trabalham. A cena do beijo, com direito a champagne, é uma das mais eróticas do cinema.


4 - Victor ou Victória? (Victor/Victoria) – 1982



No divertido musical de Blake Edwards, Julie Andrews se traveste de homem. Mesmo assim, James Garner se apaixona por ela. Na cena do beijo ele diz: “Eu não me importo se você for um homem” e eles se beijam, então, ela revela: “Eu não sou um homem” e ele replica: “Eu não ligo também” e eles se beijam novamente.

Trailer do filme:



5 - O iluminado (The shinning) – 1980


A fantástica obra-prima de Stanley Kubrick tem um dos beijos mais horripilantes do cinema. O perturbado Jack Nicholson descobre uma linda mulher se banhando numa das suítes do hotel “mal-assombrado”. Ela o seduz e eles se beijam, mas quando ele dá uma olhadinha pelo espelho, percebe que está beijando uma idosa cujo corpo está em plena putrefação.


Trailer do filme:


6 - O poderoso Chefão – Parte 2 (The godfather – Part II) – 1974


Este é o chamado beijo da morte do grande clássico O Poderoso Chefão II. Em uma festa de reveillon em Cuba, Michael Corleone (Al Pacino) revela ao irmão Fredo (John Cavale), que sabe de sua traição e com um violento beijo à la siciliana, ele sela o destino do irmão, dizendo: “Eu sei que foi você, Fredo. Você partiu meu coração. Você partiu meu coração."

Cena do beijo:


7 - Quanto mais quente melhor (Some like it hot) – 1959



A comédia mais adorada do cinema tem também um dos beijos mais divertidos. Nesta cena, o dissimulado Tony Curtis, que se passa por milionário e diz ser impotente, abusa da ingenuidade de Marylin Monroe. Ela tenta a todo custo, através de sucessivos beijos, provocar algum tipo de frisson no moço, mas ele insiste em dizer que nada o tira da sua letargia sexual.


Trailer do filme:

8 - Ladrão de casaca (To Catch a Thief)- 1955


Ladrão de casaca, filme de Hithcock, tem alguns beijos memoráveis. O primeiro deles é o beijo surpresa que Grace Kelly dá em Cary Crant, quando ele a acompanha ao quarto do hotel. Detalhe: eles tinham acabado de se conhecer e ela o havia tratado friamente durante todo o jantar. Mas o beijo mais espetacular é aquele que ocorre na penumbra de um quarto de hotel e é acompanhado por “orgásmicos” fogos de artifícios. Cena sensualíssima e com toques de fetichismo.

Cena do filme:

9 - Depois do vendaval (The quiet man) – 1952



Depois do vendaval, é um clássico do diretor John Ford, estrelado pelo mega astro John Wayne e pela bela Maureen O’Hara. Neste romântico filme, encontramos dois fantásticos beijos: o primeiro é roubado em meio 
a um vendaval e o segundo é um romântico beijo na chuva que ocorre em um cemitério.



Trailer do filme:


10 - Bola de fogo (Ball of fire) – 1941



A comédia Bola de Fogo, vista como uma versão adulta do conto Branca de Neves e o sete anões, tem um dos beijos mais geniais. A ousada e sexy Barbara Stannwick, depois de uma discussão com o nerd Gary Cooper, pega dois grossos livros, sobe em cima deles, para ficar à altura de Cooper e “tasca” vários beijos no moço, dizendo: “Eu vou te mostrar o que é o yum-yum. Aqui tá o yum. (beijo) Aqui tá o outro yum. (beijo) E aqui tá o yum-yum. (beijo).”



quinta-feira, 9 de junho de 2011

Plata quemada - 2000

Eduardo Noriega e Leonardo Sbaraglia em Plata quemada

Já tive a oportunidade de dizer que sou um grande fã do cinema argentino, que sempre nos brinda com grandes filmes e ótimas histórias. Plata quemada vem confirmar a força desse cinema. O filme foi dirigido pelo ótimo Marcelo Piñeyro e sua trama é baseada no romance de Ricardo Piglia, publicado pouco antes da adaptação para o cinema, em 1997. A trama conta a história de um grupo de outlaws que roubam um carro-forte em Buenos Aires e, no assalto, acabam assassinando policiais argentinos. Para fugir da polícia e de um dos mandantes do crime, o grupo formado por Cuervo, Nene, Angel e Fontana deve se refugiar no Uruguai. Detalhe: Angel e Nene são amantes. 


Plata quemada é uma tragédia anunciada desde a primeira cena, o que não impede que o espectador torça por seus personagens até o fim. E é sempre interessante observar como podemos nos identificar com os bandidos. O intenso filme argentino pode ser visto como um Bonnie and Clyde (1967) homoerótico. Em ambos os filmes, dois criminosos envolvidos romanticamente devem fugir da polícia rumo a um destino semelhante. Outra semelhança é que ambos os casais dos filmes enfrentam, em determinado momento, "problemas" sexuais. 

Como afirmei no parágrafo anterior, Plata quemada carrega um tom sombrio e mórbido desde o seu início. É inevitável o sentimento de que algo terrível acontecerá ao fim da jornada. O cinema nos mostra, não tão raramente, personagens que buscam a tragédia, mesmo que de forma inconsciente. É o caso de Cuervo, Nene e Angel.  Em Plata quemada, medo e o erotismo são uma mistura, no mínimo, eletrizante. O que é mais intenso do que o desejo e o medo da morte? Talvez apenas o amor de Angel e Nene. 

Nene, interpretado maravilhosamente bem pelo ator argentino Leonardo Sbaraglia, é o mais sensato do trio. Como afirma Fontana (o mais velho do grupo) ele é o único com quem se pode conversar. O rapaz, no entanto, abandona pouco a pouco a sensatez, a partir do momento em que não consegue mais se comunicar com o seu grande amor Angel. Carregando uma certa ambiguidade sexual, Nene é um poço de luxúria e se envolve também com a belíssima prostituta, Giselle (participação fantástica de Leticia Brédice). Angel, que por sua vez é interpretado por um dos melhores atores espanhóis da nova geração, Eduardo Noriega, é um belo moço que sofre, provavelmente, de algum tipo de esquizofrenia, já que ouve vozes repressoras que manifestam uma suposta culpa pela relação homossexual que ele tem com Nene. Nene e Angel são, mesmo com todos os problemas que atravessam a relação, um casal extremamente apaixonado. A troca de olhares entre os dois personagens é algo indescritível. Cuervo, interpretado com muita energia por Pablo Echarri, é o terceiro protagonista, um jovem irresponsável, viril, amante da cultura italiana e que acrescenta ainda mais sensualidade ao filme. 

Plata quemada é um thriller, um belo filme de amor e um drama psicológico. A excelente narração off dos primeiros 40  minutos é abandonada após dar lugar à voz de Nene e de Angel. Esse abandono não justificado pode ser a única falha do filme. A linda  fotografia abusa dos tons sombrios e das cores acinzentadas. A trilha sonora é outro show a parte; o filme ainda utiliza belas canções espanholas e italianas. 

A sequência final de Plata quemada, magistralmente dirigida, é um soco no estômago... Talvez o filme não seja o melhor do diretor, mas com certeza, é um grande exemplar do cinema argentino. 

Trailer do filme:


terça-feira, 7 de junho de 2011

A missão - 1986

Robert de Niro em cena do filme
A missão é dirigido pelo cineasta franco-britânico Roland Joffé, que teve bastante notoriedade nos anos 80 e 90. Seus trabalhos de maior sucesso são esta produção de 1986 e o filme Os gritos do silêncio de 1984, ambos indicados ao Oscar. A missão ainda conseguiu a proeza de levar a Palma de Ouro em Cannes. Com um elenco de grandes atores, entre eles, Robert de Niro, Jeremy Irons e Liam Neeson, a produção britânica é lembrada sobretudo pela fantástica trilha sonora do mestre Ennio Morricone.

O filme conta a história da construção de uma missão jesuítica na fronteira do Brasil, Paraguai e Argentina, território disputado por portugueses e espanhóis no século XVIII. No início da trama, acompanhamos o assassinato de um padre pelos índios guaranis. Padre Gabriel (Jeremy Irons) é enviado para substituir seu predecessor e consegue estabelecer uma relação mais próxima com os índios através da música. Um antigo capturador de índios espanhol, Rodrigo Mendoza (Robert de Niro), passa a fazer parte da missão após uma tragédia familiar. Por fim, a missão deve lutar para continuar existindo, uma vez que os colonizadores portugueses tem intenção de dizimar a população local.

A missão proporciona ao espectador momentos belíssimos. O filme poderia existir sem as falas dos personagens, uma vez que os elementos mais importantes da narrativa são a imagem e a música. A primazia desses dois elementos pode ser observada na belíssima cena em que o padre Gabriel faz o primeiro contato com os índios. Perdido em meio a floresta, ele começa a tocar seu oboé atraindo a comunidade indígena que estava preparada para atacá-lo. Através da música, como se ela tivesse um poder encantatório, ele é acolhido pela maioria dos índios. 

Mas, A missão nos brinda com outras cenas antológicas, como aquela em que Rodrigo, em uma penitência auto-imposta (e explicitamente inspirada no mito de Sísifo) deve carregar um rede contendo metais pesados pelos barrancos e cachoeiras da floresta. A cena do perdão, que se segue e que corresponde ao fim da penitência, é particularmente emocionante. Outro momento belíssimo é a cena de abertura que mostra a morte do primeiro padre. Pregado em uma cruz de madeira, ele desce rio abaixo, passando pelas corredeiras, até chegar a uma grande cachoeira. Esta cena simboliza a recusa dos índios pela catequização. No entanto, o momento mais forte do filme, é sem dúvida, a parte final, grandiosamente bela e trágica. 

A missão é um filme cuja história vai se construindo aos poucos. O ritmo por vezes arrastado evoca a vida na floresta e a contemplação da natureza. Ao final, percebemos que os dois terços iniciais do filme, que mostra a estruturação da missão jesuítica e o fortalecimento dos laços entre padres e índios, são absolutamente necessários para a criação do impacto que o último ato terá sobre o espectador. 

O filme não se exime de mostrar a responsabilidade de espanhóis e portugueses na escravização e massacre indígena. A crueldade e covardia tanto dos representantes da coroa portuguesa e espanhola, quanto da própria Igreja é mostrada de uma maneira contundente pelo filme. No entanto, ele não tem o mesmo olhar crítico com os jesuítas, que são mostrados sobretudo como salvadores dos índios. O filme se abstém de se aprofundar na questão da aculturação e da imposição do cristianismo aos índios. 

Apesar de não ser um filme de grandes performances individuais, o elenco de A missão tem um desempenho notável, com destaque para a sensibilidade das composições de Robert de Niro e Jeremy Irons. O trabalho de preparação dos índios também é fantástico, ainda mais se levarmos em conta o grande número de figurantes usados nas cenas do filme. 

A fotografia do filme ganhadora do Oscar, de Chris Menges, é deslumbrante. Optando sempre por opor o espaço fagocitante da floresta e a pequenez dos homens perto da grandiosidade da natureza, Joffé e Menges criam planos extraordinários. O filme, no entanto, não teria o mesmo impacto sem a linda e melancólica trilha sonora de Ennio Morricone. 

A missão é um espetáculo triste e deslumbrante. Vale a pena conferir!

Trailer do filme: