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quarta-feira, 4 de abril de 2012

Um Método Perigoso - 2011

Título original: A dangerous method
Lançamento: 2011
País: EUA
Diretor: David Cronenberg
Atores: Michael FassbenderKeira Knightley, Viggo Mortensen e Vincent Cassel
Duração: 99 min 
Gênero: Drama

Michael Fassbender e Viggo Mortensen interpretam Jung e Freud, respectivamente.
David Cronenberg é indubitavelmente um dos cineastas mais instigantes da atualidade. Muitos dos seus filmes mais conhecidos são associados a um gênero em particular, a ficção científica, como o jovem clássico A Mosca (1986) e os cults Scanners (1981) e eXistenZ (1999). O diretor canadense conseguiu, no entanto, expandir sua obra para outros gêneros como, por exemplo, o drama, com Spider (2002), e o thriller, com Marcas da Violência (2005), sem, no entanto, deixar de lado seu interesse pelo caos, pela dimensão psicanalítica de seus personagens e por narrativas audaciosas e perturbadoras. Cronenberg é, provavelmente, o cineasta mais kafkaniano de que temos notícia. Não chega a surpreender o interesse do diretor em realizar um filme sobre dois dos maiores ícones da psicanálise: Sigmund Freud, o fundador do método, e Carl Jung, um discípulo contestador. Um Método Perigoso (2011), o filme em questão, foi roteirizado pelo roteirista/dramaturgo Christopher Hampton, de Ligações Perigosas (1988) e Desejo e Reparação (2007). O filme é a adaptação da peça The Talking Cure (também de Hampton), que, por sua vez, é baseada no livro A Most Dangerous Method do escritor americano John Kerr. 

Um Método Perigoso retrata dois encontros extremamente importantes no mundo da psicanálise. O primeiro deles é aquele entre Jung e sua célebre paciente, Sabina Spielrein, que viria a se tornar, posteriormente, uma das primeiras psicanalistas mulheres da história. Hampton e Cronenberg acertadamente optaram por focalizar não apenas a relação amorosa do casal, mas também a fecunda e intensa relação intelectual que se estabeleceu entre os dois, assim como a influência que o pensamento de um teve sobre trabalho do outro. A outra relação abordada pelo filme não é menos interessante. Um Método Perigoso pinta o nascimento da amizade entre Freud e Jung, o gradual distanciamento dos dois e a ruptura final. Não é difícil perceber que o filme reforça a imagem paternal de Freud com a relação a Jung e a necessidade deste de sair da sombra do grande mestre. 

O filme se estrutura em duas partes facilmente identificáveis. Na primeira metade do longa-metragem, temos um destaque maior para a relação Sabina x Jung. Na segunda, a trama se concentra na relação Jung x Freud. Jung é, portanto, a figura central do filme, ao redor da qual pivotam os outros personagens, inclusive o interessante Dr. Otto Gross. O ponto de vista do protagonista é aquele que predomina no filme e poderíamos conceber outras narrativas sob a perspectiva de Freud e Sabina. Uma das maiores qualidades do roteiro de Hampton é o de fazer com que todas as teorias em jogo, nas discussões intelectuais dos personagens, sejam facilmente digeridas pelo espectador leigo, o que faz do filme uma boa introdução ao estudo da psicanálise e da oposição entre a visão de Freud e de Jung. No entanto, se por um lado o ditatismo da abordagem de Hampton possibilita que a história seja acessível a todos, ela contribui para o que é, a meu ver, o maior pecadilho do filme: o excesso de racionalismo.

Há algo de extremamente racional e frio na narrativa de Um Método Perigoso. As ideias dos personagens parecem mais convincentes e interessantes que seus próprios sentimentos, fenômeno que acaba por criar um distanciamento entre o espectador e os protagonistas. Por exemplo, a relação entre Sabina e Jung e até mesmo a atração sexual entre dois personagens não soam verdadeiramente intensos ou viscerais. Trocando em miúdos, o filme parece ser calcado muito mais no aspecto racional de seus personagens e falha em dar a dimensão necessária à vida emocional deles. A performance dos atores talvez contribua para essa lacuna emocional. O sempre interessante Michael Fassbender compõe um personagem que se destaca pela sua rigidez corpórea. Por mais que esteja torturado por diversos conflitos, o ator mantém a compostura de um intelectual burguês bem nascido e educado.

Já a performance de Keira Knightley talvez represente um dos pontos mais fracos do filme. A atriz se esforça, no início da trama, para dar corpo e voz a uma personagem histérica, mas, infelizmente, a construção da sua performance fica nítida, nos mostrando uma atuação muito estudada e artificial. O maior desafio ao se interpretar personagens desequilibrados ou loucos é o de fugir da simples caricatura e do exagero e fazer algo orgânico e verossímil. Infelizmente, Knightley acabou revelando suas limitações como atriz, nos mostrando, ao mesmo tempo, uma entrega e um esforço admiráveis. Outro problema é que a personagem se metamorfoseia ao longo do filme, perdendo, quase de uma hora para outra, o seu tom histérico. Mais bem sucedido são Viggo Mortensen e Vicent Cassel. O primeiro faz de Freud uma figura extremamente interessante e sedutora. O segundo tem uma pequena participação, onde rouba a cena, dando um verdadeiro show. Seu personagem, um "anjo do mal", talvez se destaque justamente por trazer um pouco de subversão à trama. 

Em Um Método Perigoso, Cronenberg se reinventa, investindo em um gênero que não é comum em sua filmografia: a cinebiografia. O diretor aposta bastante nos closes, optando pela alternância ritmada de planos sobre os rostos dos personagens. Como o filme é basicamente baseado em conversações, a ferramenta do campo contracampo introduz dinamismo e, por vezes, tensão às discussões. Outra escolha do diretor é a de mostrar, em diversos momentos, dois personagens, um no primeiro plano e outro no segundo, com grande profundidade de campo (ambos nítidos). Tal procedimento permite unir dois personagens no mesmo quadro, criando uma impressão proximidade entre eles. Este recurso é utilizado sobretudo com Sabine e Jung, nas sessões de terapia. É interessante observar que, na cena final do filme, os personagens já não são mostrados dessa forma, evidenciando o rompimento definitivo entre eles. O diretor ainda mostra, de maneira extremamente sutil, as diversas inversões de papéis entre os personagens que ocorrem no filme, de analista a analisado. O filme ainda conta com uma bela fotografia que explora os tons pastéis e claros. É pertinente apontar como o universo de Freud é  escuro, enquanto o de Jung é  iluminado. Cronenberg não deixa de explorar as diferenças entre os dois personagens: classe social, cultura, raça, background, ideologia, etc. 

Em Um Método Perigoso, David Cronenberg mais uma vez demonstra um grande fascínio pelo ser humano e pelo seu universo interior, dando especial atenção às neuroses de seus personagens. O caráter racional e frio do longa-metragem é algo intencional, uma abordagem que talvez faça do filme uma experiência menos envolvente. Embora seja um filme menor de Cronenberg e, mesmo que falte ingredientes para que seja excepcional, Um Método Perigoso representa um cinema de qualidade, com a assinatura de um cineasta sempre relevante. 

Assista ao trailer:



segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Fish Tank - 2009

Título original: Fish Tank
Lançamento: 2009
País: Inglaterra
Diretora: Andrea Arnold 
Atores: Katie JarvisMichael Fassbender, Kierston Wareing e Rebecca Griffiths
Gênero: Drama

Katie Jarvis interpreta a protagonista Mia

A inglesa Andrea Arnold realizou seu primeiro filme, o curta-metragem Milk (1998), aos 37 anos. Em seu terceiro trabalho como diretora, ela foi agraciada com o Oscar de Melhor Curta-metragem, por Wasp (2003). Red Road (2006), seu primeiro longa-metragem, recebeu diversos elogios e foi bastante premiado, principalmente na Europa, levando, por exemplo, o prêmio do Juri no Festival de Cannes. Em 2009, ela lançou Fish Tank (2009), premiado como melhor filme britânico pelo BAFTA, também ganhador do Prêmio do Juri em Cannes, além de muitos outros prêmios nos Estados Unidos e na Europa. Este ano, a diretora lançou, no Festival de Veneza, sua adaptação do clássico O Morro dos Ventos Uivantes, que teve uma recepção mista, mas não indiferente. A indústria cinematográfica é amplamente dominada por diretores masculinos. Uma mulher só foi levar o Oscar de Direção em 2010 (Kathryn Bigelow por Guerra  ao Terror). Andrea Arnold se destaca, portanto, por ter conseguido seu espaço, em um cenário ainda tão machista. Ela é, sem dúvida, uma das  cineastas mais interessantes que surgiram nos últimos anos. 

Fish Tank (Aquário em português) retrata um tipo de organização familiar, infelizmente comum, que pode ser encontrado em vários lugares do mundo, não só em Essex, onde o filme se passa. Trata-se de uma família em que a mãe, solteira, que teve filhos provavelmente muito jovem, não tendo nenhum preparo psicológico para cuidar dos mesmos, deixa que eles se criem sozinhos. No filme, Mia (Katie Jarvis), 15 anos, é uma adolescente agressiva, "boca-suja", rebelde, solitária, que sonha em se tornar dançarina de Hip-Hop. Ela mora com a irmã, Tyler (Rebecca Griffiths) de nove anos, que bebe e fuma, e com sua mãe, Joanne (Kierston Wareing), que pouco se preocupa com as filhas e que não hesita em organizar festas-orgia no pequeno apartamento em que elas vivem. Certo dia, Mia se depara, em sua cozinha, com o novo namorado da mãe, Connor (Michael Fassbender), um belo homem de aproximadamente 30 anos. Uma relação bastante incomum nasce entre eles, no que podemos chamar de iniciação erótica da adolescente. 


Mia em seu "aquário"

Por que Fish Tank (aquário)? As razões podem ser múltiplas. O mais óbvio seria afirmar que o aquário é a própria metáfora da situação de Mia, uma adolescente presa em uma redoma de violência e de falta de afetividade. O desejo de libertação da garota é representado por sua insistência em soltar uma égua velha acorrentada em um terreno baldio, perto de sua casa. O fato de Mia constantemente olhar através do vidro das janelas e mesmo a estrutura da sala onde ela ensaia também nos remete ao aquário. Se considerarmos que Mia é aproximada à figura do peixe, a cena em que Connor captura um peixe com as próprias mãos ganha uma forte dimensão simbólica. Ou seja, a captura do peixe representa a fascinação que o homem mais velho exerce sobre a menina, talvez uma armadilha construída pelo primeiro para possuí-la. 

Andrea Arnold, responsável  também pelo ótimo roteiro, opta por utilizar a "câmera no ombro" para mostrar a realidade de Mia, numa linguagem próxima do documentário. O filme é quase todo construído através de um ponto de vista semi-subjetivo. Arnold nos faz ter acesso ao olhar de Mia, que está em todas as cenas do longa. Ao forçar a identificação do espectador com sua protagonista, a diretora consegue fazer com que tenhamos uma profunda empatia com a personagem que é, a princípio, antipática. A instabilidade da câmera confere intensidade e "efeito de real" ao filme. Além disso, o roteiro é despudoradamente cruel e realista. Em determinado momento, Tyler, uma criança de nove anos, diz a Connor que cuidava de um corte no pé de Mia: "Cuidado com a AIDS!". Esse tipo de brincadeira revela o quanto a educação dessa criança foi contaminada pela maldade do mundo adulto. Outra cena chocante é aquela em que Mia joga uma criança de 5 anos num rio. A própria cena de pedofilia (porque, afinal de contas, é isso o que ocorre) se torna grotesca quando reanalisamos o filme ao final. 

O filme é imensamente favorecido pela performance de Katie Jarvis. A garota tinha menos de 18 anos quando fez o filme. Ela foi descoberta na rua enquanto tinha uma discussão acalorada com o namorado. Na época, ela tinha largado a escola e estava desempregada. O uso de uma atriz não profissional talvez tenha sido uma escolha genial de Arnold. Podemos nos perguntar o que de Mia, Katie Jarvis tem? Ou o que de sua vida, de seus problemas ela emprestou à personagem? Fato é que, no mesmo ano em que o filme foi lançado, ela deu a luz a uma menina e, desde então, não fez mais cinema. Confesso que tenho curiosidade de saber o que aconteceu com a atriz. No entanto, de qualquer forma, a atuação de Jarvis é impressionante, sensível, visceral. As performances de Kierston Wareing e da pequena Rebecca Griffiths são também excelentes. Provavelmente, a mais bela cena do filme é aquela em que a mãe e as duas filhas dançam juntas. Um momento único de comunicação entre as três personagens, e na cena as três atrizes brilham. O sempre interessante Michael Fassbender interpreta um personagem ambíguo e sedutor. Seria ele um lobo na pele de cordeiro? Existe alguma boa intenção em suas ações? Aos poucos seu caráter duvidoso vai se revelando ao espectador.

Fish Tank é um filme assustadoramente bonito, violento e triste. Vale a pena conferir!




segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Shame - 2011

Título original: Shame
Lançamento: 2011
País: Inglaterra
Direção: Steve McQueen
Atores: Michael Fassbender, Carey Mulligan, James Badge Dale, Hannah Ware.
Duração: 99 min
Gênero: Drama
Michael Fassbender, o ator do ano, em cena de Shame

No dia 22 de novembro, aconteceu a pré-estreia oficial de Shame em Paris. O longa-metragem levou o prêmio de Melhor Ator, no Festival de Veneza, este ano, e é apenas o segundo filme de Steve McQueen. O diretor inglês estreou nas telonas em 2008, com o excepcional Hunger. Uma sala gigantesca do MK2, grande rede de cinemas em Paris, ficou arrebatada de centenas de pessoas, a maioria delas ansiosas para ver um dos grandes astros do momento: Michael Fassbender. O ator, alemão de nascimento e irlandês de criação, aos 34 anos, estampa várias capas de revistas, lançou três filmes em 2011 e é considerado um dos maiores símbolos sexuais dos últimos tempos. Shame apenas reforça esse status.

O novo filme de McQueen conta a história de Brandon, um homem belo e desejado pelas mulheres, que cultiva um estilo de vida invejável em Nova York e que tem trabalho estável numa empresa de publicidade. Tudo estaria perfeito em sua vida, se não fosse por um detalhe: ele é viciado em sexo. Na entrevista realizada logo após a projeção do filme, Fassbender afirmou que, a princípio, não sabia  como encarar seriamente essa situação. Afinal, por que ser viciado em sexo seria, necessariamente, um problema? O maravilhoso roteiro de Steve McQueen e Abi Morgan, no entanto, nos leva às profundezas desse vício, nos revelando sua face mais deprimente e dolorosa. Para complicar, a irmã caçula do protagonista, Sissy (Carey Mulligan), que sofre de depressão e tem tendências suicidas, se instala no apartamento de Brandon, invadindo a vida e o espaço do irmão, que não sabe como lidar com a sua presença.

Cena inicial do filme
McQueen nos apresenta a dois personagens à beira do precipício, em uma situação extrema. A carente e problemática Sissy lança um pedido de socorro mudo e desesperado para o seu irmão, que a ignora.  Por mais que no fundo ele se preocupe com ela, Brandon não consegue demonstrar nenhum afeto pela irmã ou  por qualquer outra pessoa. Mas, afinal, qual a origem do vício do personagem? O que ele tenta sublimar através da sua compulsão sexual? De fato, pouco sabemos do passado dos dois personagens. Pouco nos é dito pelo filme. Só sabemos que, aparentemente, Sissy e Brandon só têm um ao outro e que a vida pregressa desses dois irmãos, provavelmente, não foi nada fácil. A moça diz em certo momento: "Nós não somos más pessoas. Só viemos de um lugar ruim". Shame é, então, um sensível estudo de personagens, que não procura fazer deles meras caricaturas de seres "problemáticos". O filme também não se interessa em justificar os atos de seus protagonistas ou mesmo lhes proporcionar um artificial final feliz. Cabe ao espectador formular suas hipóteses. 

Certos elementos encontrados em Hunger, podem ser vistos no novo filme de McQueen. Chamam a atenção o interesse pelos detalhes, a abundância de closes, os longos silêncios e o interesse pelo o que se repete. A frieza da câmera de McQueen esconde um vulcão que está prestes a entrar em erupção. Assim, a medida que o filme se desenrola, a história vai ficando dramática, até a irrupção do catártico último ato, o grande momento do filme. A direção, combinada com a qualidade das performances, nos proporciona um filme angustiante, profundamente triste e melancólico. 

Algumas cenas demoram a sair da memória, como aquela em que Brandon ataca sua irmã, após ela tê-lo surpreendido se masturbando no banheiro. É impressionante como McQueen brinca com nossas expectativas, transformando bruscamente o tom da cena. A princípio, parece  que estamos diante de lutinha entre irmãos. Sissy ri, como se finalmente pudesse ter um momento descontraído e de intimidade com Brandon, mas logo percebemos a agressividade do protagonista. O olhar de Sissy muda, tanto ela quanto o espectador percebem, subitamente, que não se trata de uma brincadeira. Brandon se sente coagido, no fundo, envergonhado de si mesmo. Ele não sabe como lidar com a vergonha que sente de sua compulsão e o título em inglês (Shame = vergonha) não poderia ser mais apropriado para a história. A presença de Sissy o faz confrontar esse sentimento.


Carey Mulligan canta New York, New York em cena do filme

O longa ainda deixa espaço para várias especulações. Por exemplo, o que teme Brandon com aproximação de sua irmã? Por que ele a rejeita tanto? Por que ele recusa qualquer contato físico com ela? Seria um possível medo do incesto? O filme nos permite essa leitura, ou mesmo, essa hipótese. Mas o que parece mais claro é que Brandon não consegue se relacionar afetivamente com mulheres, tudo passa pelo viés do sexo. No momento em que uma mulher se envolve romanticamente com ele, caso de Marianne (ótima participação de Nicole Beharie), ele não consegue consumar o ato sexual. Ele só consegue fazer sexo e é incapaz de fazer amor.

Michael Fassbender se entrega completamente ao papel. Uma entrega física e emocional. O ator protagoniza cenas de nu e cenas ousadas de sexo. Mas o que impressiona mesmo é a composição do personagem. Brandon é um homem calado, introspectivo, tímido a ponto de mal conseguir estabelecer uma conversa em um primeiro encontro. Sob essa superfície, encontra-se um indivíduo completamente atormentado, capaz de ser cruel, sórdido, vulgar, mas também capaz de se emocionar ao ouvir a irmã cantar pela primeira vez. Em uma das mais belas cenas do filme (ver foto abaixo), em que Brandon pede a Sissy para ir embora, a voz de Fassbender, carregada de ódio, é tão violenta quanto as coisas que ele diz para sua frágil irmã, interpretada por Carey Mulligan. A atriz é o perfeito contraponto de Fassbender. Ela encarna com extrema vulnerabilidade e sensibilidade a sua personagem, um ser perdido e carente. E uma grata surpresa: ela canta muito bem.


Cena digna de Oscar em Shame
Infelizmente, Shame só estreará no Brasil no ano que vem. O filme está cotado para algumas categorias do Oscar, sendo um dos favoritos a de Melhor Ator. Steve McQueen confirma ser um cineasta relevante, interessante e seu estilo é ao mesmo tempo sofisticado e visceral. 



Pôster francês do filme



segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Hunger - 2008

Título original: Hunger
Lançamento: 2008
País: Inglaterra
Direção: Steve McQueen
Atores: Larry Cowan, Liam Cunningham, Michael Fassbender, Stuart Graham
Duração: 90 min
Gênero: Drama

Importante cena de Hunger

Ah se todos os primeiros filmes de diretores fossem como Hunger! A estreia de Steve McQueen no cinema (não confundir com seu xará, o famoso ator americano que morreu nos anos 80) é visceral, arrasadora e, ao mesmo tempo, sofisticada e econômica. O longa-metragem é o resultado de um trabalho de direção inspirado, inteligente e que vem arejar a forma de se falar de História e de violência no cinema. Hunger, escrito por McQueen e por Enda Walsh, aborda o tumultuado ano de 1981 na Irlanda do Norte.  O filme focaliza a realidade carcerária de terroristas do grupo IRA, que lutavam para obter do governo inglês o status de presos políticos (que os diferenciariam dos outros criminosos). Para terem este e outros pedidos aceitos, os presos iniciaram uma greve de fome que causou a morte de nove homens. 


Ótimos filmes, como Em nome do Pai (1993) e Domingo Sangrento (2002), já retrataram a violenta guerra pelo poder na Irlanda do Norte, que é alimentada também pela rivalidade entre católicos e protestantes. [Entenda mais sobre a situação da Irlanda na matéria especial da Folha Online.] O diretor inglês, sem se mostrar partidário ou opositor, explora em seu filme a paixão política dos radicais membros do IRA, paixão esta que os move a comportamentos extremos. Steve McQueen atua de forma metonímica, ao se apropriar de um capítulo de uma história sangrenta que, ao mesmo tempo, nos dá toda a dimensão da gravidade de um conflito que é social, político, cultural e religioso.


O filme é metonímico também em sua estrutura e montagem. McQueen abusa dos planos-detalhes e dos closes para focalizar objetos, partes do corpo de seus personagens, marcas e detalhes. A estratégia  do diretor é reveladora de um olhar agudo sobre o ambiente carcerário, sobre o cotidiano dos presos e dos policiais e sobre os pequenos gestos que parecem preencher o vazio da vida na prisão. É interessante observar a forma com a qual o roteiro constrói sua narrativa, de maneira quase episódica, se interessando a personagens que são representativos de um grupo maior. Isso ocorre, por exemplo, com o policial mostrado no início da trama, um homem aparentemente normal, mas cuja rotina é invadida, a contragosto, pela violência e pelo medo. Os dois companheiros de cela focalizados, em um segundo momento, representam o grupo de jovens rebeldes, que obedecem, sem muita visão crítica, a uma liderança que está muito mais interessada na Causa do que em suas vidas. O discurso do poder dominante é representado pela voz-off de Margaret Thatcher, primeira-ministra britânica na época, que é inserida em momentos pontuais no filme.  


Finalmente, o filme chega a Bobby Sands (Michael Fassbender), figura central da história. Ele representa a própria liderança do movimento terrorista. Um homem de uma ideologia inabalável, que manifesta uma auto-entrega absurda à causa pela qual luta. Para ele, a própria vida e a vida dos seus companheiros são instrumentos que devem estar à disposição de algo maior. Por mais que suas atitudes sejam questionáveis, Bobby não deixa de ser admirável pela sua perseverança. Suas motivações são exploradas de maneira brilhante em um diálogo do personagem com o Padre, filmado em um plano sequência de aproximadamente 16 minutos. Brilhantemente escrita e interpretada, a cena atípica no filme, se destaca também por quebrar o silêncio que reina durante a maior parte do longa.


Steve McQueen compreende que o cinema é, sobretudo, imagético e poderia muito bem contar essa história sem a presença de diálogos. Tudo está nas imagens e na forma com que elas se sucedem. Na brilhante sequência de abertura, por exemplo, o diretor constrói toda a natureza de um personagem, mostrando também seu conflito, sem utilizar uma fala sequer. Sóbrio, McQueen foge do supérfluo, do drama fácil e do óbvio, criando uma história chocante, sem ser sensacionalista. As cenas de violência se destacam pelo seu realismo e pela entrega física dos atores. 


E por falar em entrega física, não devemos deixar de mencionar o assombroso Michael Fassbender (o astro do momento em Hollywood). O ator teve que passar por uma dieta extrema, controlada por médicos, para encarnar Bobby Sands. A transformação de Fassbender para o papel é impressionante. O ator germânico (de origem irlandesa) é uma das maiores revelações dos últimos anos e sua performance em Hunger o lançou ao estrelato. Depois deste filme, ele fez os grandes sucessos Bastardos Inglórios (2009) e X-Man: primeira classe (2011). O ator (premiado em Veneza este ano) repetirá a parceria com Steve McQueen no aguardado filme "Shame", que deve estrear ainda em 2011.


Hunger conta também com a belíssima fotografia de Sean Bobbitt. Mesmo se aproximando bastante do olhar objetivo de um documentário, o filme encontra espaço para cenas de puro lirismo, como aquela em que a imagem de Bobby se funde com a imagens de pássaros voando, já no final do longa. O filme de Steve McQueen parece indicar que uma bela carreira está começando. Seu segundo filme, Shame, já vem recebendo ótimas críticas. Estou ansioso!


quinta-feira, 16 de junho de 2011

X-Men: Primeira Classe

Os novos rostos do X-Men

A franquia X-Men deve ser elogiada por conseguir manter um alto nível de qualidade em seus capítulos, exceção feita ao medíocre Wolverine (2009). Para relembrar: os dois primeiros filmes (2000 e 2003) foram dirigidos por Bryan Singer e o terceiro (2006) por Brett Ratner. Já Gavin Hood é responsável pelo destoante Wolverine. Juntando-se ao trio de diretores, temos o jovem cineasta Matthew Vaughn, que conta com apenas quatro filmes no currículo, entre eles o elogiado Kick-Ass (2010)

Vaughn exibe a segurança necessária para as cenas de ação do filme e também cria momentos de extrema beleza e sensibilidade, como a sequência no campo de concentração e no escritório de Shaw (Kevin Bacon). Ele também consegue dar bastante dinamismo à obra, prendendo a atenção do espectador do início ao fim da narrativa. O diretor transforma esta prequel (continuação que retoma a origem de uma saga) em uma experiência bastante interessante e, principalmente, enriquecedora para o conjunto dos filmes. Isso só é possível, no entanto, porque o roteiro opta por ser fiel à história e à personalidade dos famosos mutantes. Com bastante coerência, o roteiro escrito a oito mãos (Ashley Miller, Zack Stentz,  Jane Goldman e Matthew Vaughn), nos revela as motivações de personagens icônicos, como Magneto, Xavier e Mística. 

A história de X-Men: Primeira Classe, volta à origem dos dois grandes opositores da saga, Magneto e Charles Xavier, reconstituindo, gradualmente, a causa da rivalidade dos personagens. Incluindo eventos importantes da infância dos protagonistas, o longa acerta ao investir na relação íntima que os dois estabelecem após o primeiro encontro. A trama se inicia no final da Segunda Guerra Mundial e se desenvolve em meio à Guerra Fria. Ancorado, dessa forma, na História, o enredo concilia de forma eficiente acontecimentos verídicos e a aventura dos mutantes. 

X-Men: Primeira Classe aborda questões importantes, presentes nos longas anteriores, como a da auto-aceitação, do preconceito e da exclusão. Justamente por mostrar a complexidade dessas questões é que se torna difícil julgar os posicionamentos de seus protagonistas, já que ambos têm suas razões. Fugindo, portanto, do maniqueísmo, o longa nos apresenta um Magneto que carrega em si a marca de um grande trauma e um desejo compreensível de vingança e um Xavier extremamente humano e inteligente. Os personagens tiveram backgrounds bem diferentes: enquanto Magneto teve que conviver com a dor e a perda desde cedo, Xavier teve uma vida cercada de luxo e comodidades. Apesar de salientar as diferenças entre eles, é na construção da fraternidade dos dois (que pode até mesmo ser confundida com uma certa homoafetividade) que o filme se destaca.  

O elenco deste X-Men faz um grande trabalho. Composto de jovens e bons atores, ele é encabeçado pelos ótimos James McAvoy e Michael Fassbender. Suas excelentes performances estão entre as melhores coisas do longa. McAvoy compõe um personagem que comove por sua humanidade, espírito de liderança e pela doçura do seu olhar. Já Fassbender comprova seu imenso talento e carisma ao construir um personagem forte, endurecido, por vezes cínico, mas fascinante. Jennifer Lawrence, indicada ao Oscar de Melhor Atriz este ano, mostra que veio para ficar, dando à sua Mística grande profundidade (e olha que é difícil fazer o espectador esquecer da deslumbrante Rebeca Romijn, que encarnou a personagem nos filmes anteriores). E qual foi minha surpresa ao descobrir que o menino de Um grande garoto (2002) cresceu e está fantástico na pele de Hank, um dos mutantes com uma das trajetórias mais interessantes da trama! Deve-se destacar também o bom desempenho de January Jones (a protagonista da série Mad Men) e de Kevin Bacon, que, assim como Fassbender, arrasa no filme, ao atuar em diversos idiomas. Bacon prova ser um excelente ator e constrói um vilão inesquecível. (Torço para que o Oscar reconheça, um dia, o talento do ator, normalmente tão subestimado.) 

Os efeitos especiais, como não poderia deixar de ser, são elementos extremamente importantes no longa. Vaughn acerta ao brincar com os poderes dos mutantes, alternando momentos divertidos e de descontração e outros de extrema tensão. A grandiosa sequência final, envolvendo um helicóptero e um submarino, é particularmente eletrizante. A trilha sonora, mesmo não sendo maravilhosa, sublinha bem os momentos dramáticos e cômicos da trama. 

X-Men: primeira classe, apesar de não ser o meu favorito da franquia, é um ótimo filme, que fascina por ser extremamente significativo para o conjunto da obra. Este capítulo da saga faz jus à franquia e à adorada história em quadrinhos e é um icentivo a uma revisita aos outros filmes. 

Trailer do filme: