quinta-feira, 21 de março de 2013

Clássicos da Cinemateca - Era uma vez em Tóquio


Kyoko: A vida não é decepcionante?
Noriko [sorrindo]: Sim, ela é.
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"Vamos voltar para casa."
Yasujirō Ozu nasceu em 12 de dezembro de 1903 e faleceu exatamente sessenta anos depois, em 12 de dezembro de 1963. O cineasta japonês morreu de câncer dois anos após o falecimento de sua mãe, com quem ele morou durante toda a sua vida. Na sepultura que ele divide com ela, está escrito apenas o símbolo mu, que significa “nada”. Ozu nunca se casou, nunca teve filhos. Seus grandes filmes, no entanto, falam sobre casamento, família e relacionamentos. O diretor nos legou mais de 50 filmes, dos quais 35 mudos. Foi depois da Segunda Guerra Mundial, que Ozu dirigiu seus filmes mais famosos, como Pai e Filha (1949), Crepúsculo em Tóquio (1957), Também Fomos Felizes (1951), Ervas Flutuantes (1959) e A Rotina Tem Seu Encanto (1962). Era uma Vez em Tóquio (1953) é visto como sua maior obra-prima. O filme é considerado por diversos especialistas como um dos melhores filmes de todos os tempos e aparece em quase todas as listas desse gênero: terceiro na lista da Sight and Sound (votos dos críticos), primeiro em outra lista da mesma revista (votos dos diretores), sétimo na lista da Total Film, para citar apenas algumas. 
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“A Mãe me contou quão boa você foi pra ela quando ela ficou na sua casa. Ela me disse que foi a noite mais feliz que passou em Tóquio.”
Apesar de ser visto, hoje em dia, como um dos maiores diretores de todos os tempos, Ozu só foi efetivamente descoberto pelo mundo ocidental nos anos 60, quando seus filmes começaram a ter uma maior exibição fora da Ásia. Era uma Vez em Tóquio, por exemplo, só estreou nos Estados Unidos em 1964. Outros mestres do cinema japonês, contemporâneos de Ozu, como Akira Kurosawa e Kenji Mizoguchi, tiveram um reconhecimento mais imediato fora de seu país. Ozu é celebrado pelo seu estilo único: o uso rigoroso da câmera estática na altura dos olhos de uma pessoa sentada num tatami (ou um pouco abaixo); a quase ausência de movimentos de câmera; um gosto refinado pela composição do plano, pelos efeitos de simetria; e a utilização do campo-contracampo que viola a regra dos 180º (regra de posicionamento de câmera que segue um eixo imaginário de 180º). 
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“Às vezes penso que não posso continuar sozinha para sempre. Em outras ocasiões, passo a noite acordada pensando no que acontecerá se tudo continuar assim. Os dias passam e as noites vêm, e nada acontece, e sinto um pouco de solidão. Meu coração parece esperar por algo.”
O estilo de Ozu é inconfundível e, de uma certa maneira, anti-hollywoodiano (sabe-se que o diretor não era um grande fã do cinema norte-americano). O cinema de Ozu é um cinema realista, ancorado no quotidiano, nos pequenos acontecimentos do dia-a-dia. O diretor raramente usa a voz off em seus filmes. Quando um personagem fala, o vemos em cena. Em momentos de diálogo entre dois personagens, muitas vezes, ele prefere mostrá-los de costas para tê-los no mesmo plano. O corte não é desperdiçado no cinema de Ozu. A montagem é precisa, nada é em vão. Para o espectador que não está familiarizado com o cinema de Ozu, talvez seu estilo cause um estranhamento inicial, mas, uma vez que você adere ao universo do cineasta, dificilmente deixará de apreciar a beleza da sua arte. Não há sentimentalismo no cinema de Ozu, nada que seja excessivo. Mesmo assim, seus filmes nos tocam profundamente. Era uma Vez em Tóquio talvez seja aquele em que o diretor mais se aproxime do melodrama (ainda que mantenha uma boa distância). Esse é um dos filmes mais sentimentais do diretor. 
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“Ela não vai sobreviver… Então, este é o fim.”
Era uma Vez em Tóquio conta a história de um casal de idosos, Tomi e Shukichi (interpretados pelos maravilhosos Chieko Higashiyama e Chishu Ryu), que moram numa pequena cidade no Japão e que fazem uma longa viagem a Tóquio para visitarem seus dois filhos mais velhos, já casados. A estadia na capital japonesa, no entanto, não se dá como o casal esperava. Os filhos não têm tempo para passar com eles, já que estão muito envolvidos com suas próprias ocupações. Após alguns dias, Tomi e Shukichi são enviados para um centro termal em Atami, perto do mar. Essa é a alternativa encontrada pelos filhos mais velhos para não terem que se preocupar com os pais e evitarem maiores gastos. A estadia no spa, no entanto, é desgastante para o casal, devido aos outros hóspedes barulhentos. O casal decide, então, voltar para casa antes do previsto.
A única pessoa que se mostra gentil e acolhedora com os idosos durante a estadia em Tóquio é Noriko, viúva de um dos filhos do casal, morto na guerra. Noriko é interpretada pela encantadora Setsuko Hara, estrela do cinema japonês. O sorriso da personagem, um misto de bondade e dor, é apaixonante e de cortar o coração. Hara protagonizou outros filmes de Ozu, como Pai e Filha e Também Fomos Felizes. O ator Chishu Ryu é outro parceiro habitual de Ozu, presente em vários filmes do diretor.
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“Mas que belo amanhecer. Temo que teremos mais um dia quente hoje.”
Era uma Vez em Tóquio é um filme que permanece, mesmo quando acaba. Ele nos habita por muito tempo. A obra-prima de Ozu nos faz refletir sobre a efemeridade da vida, sobre os relacionamentos, sobre o tempo que passa, sobre a morte. Esse clássico do cinema mundial é de fato universal e atemporal. 
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“Ela era uma mulher de cabeça dura, mas se eu soubesse que as coisas ficariam assim, eu poderia ter sido um pouco melhor para ela”.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Clássicos da Cinemateca: O mestre Lean e o Dr. Jivago


“Can you play the balalaika?” 
DivulgaçãoDr. Jivago é o 14º filme de David Lean. O cineasta britânico dirigiu 16 longas-metragens. Ele foi premiado com o Oscar de Melhor Diretor em duas ocasiões, por Lawrence da Arábia (1962) e por A Ponte do Rio Kwai (1957). 
Quarenta e dois anos separam o primeiro filme de David Lean, Nosso Barco, Nossa Alma(1942), do seu último projeto, Passagem para a Índia (1984). Sua carreira no cinema começou, no entanto, muito antes de seu primeiro filme, no final dos anos 20. Durante toda a década seguinte, ele trabalhou como montador. É dele, por exemplo, a montagem do filmePigmaleão (1938), clássico do cinema britânico. Lean nos legou uma filmografia impressionante. Ela contém grandes clássicos como Oliver Twist (1948), Grandes Esperanças(1946), Quando o Coração Floresce (1955) e obras-primas como Desencanto (1945), Lawrence da Arábia (1962), A Ponte do Rio Kwai (1957) e A Filha de Ryan (1970). Dr. Jivago foi o maior sucesso comercial da carreira do diretor, um dos filmes de maior bilheteria da história do cinema americano e um dos produtos mais rentáveis do estúdio MGM. Ainda que tenha recedido críticas mistas na época de seu lançamento, o clássico de 1965 tem hoje um lugar de destaque na filmografia de Lean, sendo um dos filmes mais populares do diretor. 
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Dr. Jivago
 ganhou cinco Oscars em 1966. Na mesma cerimônia, Julie Christie ganhou o Oscar de Melhor Atriz, mas por outro filme: Darling, a que Amou Demais. Em Dr. Jivago, ela interpreta Lara.
David Lean é constantemente apontado como o maior cineasta britânico de todos os tempos (ao lado de Alfred Hitchcock), tendo sido aclamado por diretores como Steven Spielberg e Stanley Kubrick. Ele ocupa a nona posição na lista de melhores diretores da história do cinema da revista Sight & Sound. publicada em 2002. Apesar de ser muitas vezes associado a grandes produções e filmes épicos, David Lean tem uma filmografia bastante diversificada e foi por muito tempo visto como um diretor intimista. Esse aspecto de sua filmografia pode ser conferido no belíssimo Desencanto. Especialistas costumam dividir sua obra em dois períodos: a fase britânica, de 1942 a 1955; e, a partir de 1957, a fase dos filmes-espetáculos, em colaboração com Hollywood. David Lean é um cineasta sentimental e romântico. Seu cinema é caracterizado por um imenso lirismo e, ao mesmo tempo, uma certa frieza, um antissentimentalismo. Essa combinação de características é um dos charmes e encantos dos filmes do cineasta.
DivulgaçãoDavid Lean dirigiu 11 atores indicados ao Oscar, dentre eles Omar Sharif (direita) e Alec Guinness (esquerda), que ganhou por A Ponte do Rio Kwai (1957). Guinness era o ator favorito de Lean. Os dois trabalharam juntos em seis filmes.
A partir de Quando o Coração Floresce, protagonizado por Katharine Hepburn, o cinema de Lean começa a mudar. Esse clássico marca o início de uma nova fase da filmografia do diretor. Foi a primeira vez que Lean filmou fora do Reino Unido, em Veneza. O cinema de Lean se torna um cinema do exterior, do exótico, das grandes paisagens. A Ponte do rio Kwai é o primeiro de uma série de filmes monumentais que dariam ao diretor a reputação de mestre do cinema épico. A partir de então, a duração dos filmes do cineasta ficou cada vez maior. Para se ter uma ideia, Desencanto (1938) tem 1h26 de duração e Lawrence de Arábia (1965), 3h36. A Filha de Ryan foi um de seus projetos mais ambiciosos e um dos mais queridos ao diretor. Após o fracasso do filme e uma série de críticas negativas, Lean ficou 14 anos sem dirigir outro longa-metragem. Em 1984, ele lançou o seu último filme, o bem sucedido Passagem para Índia.
DivulgaçãoCom a ajuda da maquiagem, Omar Sharif, que é egípcio, interpreta o personagem-título, que é russo. O filho do ator, Tarek Sharif, interpreta o personagem quando criança. Tarek fez apenas mais um filme depois de Dr. Jivago.
David Lean adaptou diversos romances para o cinema, dois de Charles Dickens: Grandes Esperanças e Oliver TwistDr. Jivago é a adaptação do romance homônimo de Boris Pasternak, um grande best-seller que deu ao escritor russo o prêmio Nobel de literatura em 1958. A obra de Pasternak tem como pano de fundo os acontecimentos políticos que marcaram a primeira metade do século 20 na Rússia, dentre eles, a Revolução de 1917. Muitos críticos condenaram a opção feita por Lean de dar mais importância à história de amor de Yuri Jivago e Lara que aos fatos históricos. Tal escolha é compreensível, se considerarmos que o filme foi lançado em plena Guerra Fria.
DivulgaçãoGeraldine Chaplin, filha de Charlie Chaplin, interpreta Tonya. Dr. Jivago foi o primeiro filme em língua inglesa da atriz. Dizem que David Lean queria Audrey Hepburn no papel, mas que ele mudou de ideia depois de ver a audição de Geraldine.
Dr. Jivago acompanha os encontros e desencontros de Lara e o médico/poeta Yuri Jivago e a tumultuada história de amor desses dois personagens. Na época de seu lançamento, muitos torceram o nariz para o caráter romântico e sentimental. Essa característica, aliada às mais de três horas de duração do filme, parecem repelir alguns espectadores ainda hoje. Motivo de repulsa para uns, motivo de idolatria para outros. A triste história de amor de Lara e Yuri é contada com um refinamento estético único, que faz do filme um belo espetáculo.
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A famosa trilha sonora de Dr. Jivago é de autoria de Maurice Jarre, que havia trabalhado com Lean pela primeira vez em Lawrence da Arábia (1962). O compositor francês ganhou o Oscar pelos dois trabalhos e ganharia um terceiro por outro filme de Lean, Passagem para a Índia(1984).
A maestria da direção de Lean é comprovada já no início do filme, na belíssima cena do funeral da mãe do pequeno Yuri, uma experiência estranha e misteriosa para o menino. Nesse momento, vemos o nascimento do poeta, a atenção difusa da criança para os pequenos acontecimentos ao seu redor. A partir da utilização de planos subjetivos, de uma brilhante montagem e da música, Lean nos apresenta esse despertar do olhar do poeta. Esse é apenas um dos grandes momentos de Dr. Jivago. Ao longo do filme, o espectador atento e curioso pode se deliciar com o refinamento formal da obra, com as metáforas visuais, com os símbolos etc. 
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O roteiro de Dr. Jivago foi escrito por Robert Bolt, outro parceiro habitual de David Lean. Bolt ganhou o Oscar de Melhor Roteiro por Dr. Jivago. A parceria de Lean, Bolt e Jarre é uma das mais bem sucedidas do cinema.
Uma das qualidades do filme é o seu ótimo elenco. Lean reuniu grandes atores britânicos, já veteranos, como Alec Guinness e Ralph Richardson, e atores que representavam a nouvelle vague do cinema britânico como Rita Tushingham, Julie Christie e Tom Courtenay. O resultado não poderia ser melhor. Destaque deve ser dado à beleza e ao talento de Julie Christie, à sensibilidade de Omar Sharif, à força de Rod Steiger, à versatilidade de Guinness e ao carisma de Geraldine Chaplin. Extremamente perfeccionista, David Lean gostava de tirar o melhor dos seus atores. Dizem que para fazer a cena em que Yuri Jivago presenciava o massacre de inúmeros civis, Lean pediu a Omar Sharif que a interpretasse como se ele estivesse tendo um orgasmo, para que o seu olhar tivesse a intensidade que o diretor queria. Lean era o diretor do olhar.
Além do ótimo elenco, da direção primorosa, Dr. Jivago conta com uma belíssima fotografia e com uma trilha sonora inesquecível, que se tornou um imenso sucesso. O tema de Lara é um dos grandes ícones musicais do cinema. Dr. Jivago pode dividir opiniões, mas é sem dúvida um espetáculo e a prova viva do talento do seu diretor.
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Ouça um trecho da trilha do filme - clique aqui