segunda-feira, 27 de junho de 2011

Violência gratuita (Funny Games) - 1997 e 2007

Susanne Lothar excelente em cena de Violência gratuita (1997)
 
Michael Haneke é um diretor e roteirista austríaco, provavelmente o melhor cineasta de língua alemã da atualidade. Antes de ingressar no mundo do cinema, ele estudou filosofia e psicologia em Viena, o que explica, de certa forma, seu interesse por patologias e dramas humanos. Temas como o trauma, a violência, o sadismo, a incapacidade de comunicar-se, a inadaptaçao dos indivíduos, as pulsões irracionais e a sexualidade são trabalhados constantemente em sua filmografia. Primando pela construção psicológica de seus personagens, em detrimento da própria ação, as narrativas de Haneke se caracterizam por serem experiências intensas e perturbadoras. Em Violência gratuita, o cineasta exibe toda sua genialidade. Outros grandes filmes do diretor são: A fita branca (2009), Caché (2005) e A professora de piano (2001).

Violência gratuita, primeira versão, foi lançado em 1997 e fez parte da seleção oficial do Festival de Cannes. 10 anos depois, Haneke fez uma refilmagem americana quadro a quadro, com novo elenco. A discussão de qual versão é a melhor mostra-se, muitas vezes, infrutífera uma vez que Haneke optou por fazer uma refilmagem absolutamente fiel à obra original. Obviamente, quando se assiste primeiramente a versão de 1997, a de 2007 se torna menos impactante e vice-versa. O que me faz preferir a primeira versão é o trabalho extraordinário da atriz Susanne Lothar, o fato de que a língua alemã me soa mais agressiva e sonora do que a língua inglesa e a impressão de que o filme de 1997 é mais escuro e claustrofóbico do que o segundo filme. O elenco da versão alemã conta com Susanne Lothar, Ulrich Mühe, Stefan Clapczynski, Arno Frisch, Frank Giering. O elenco da versão americana conta com nomes mais conhecidos: Naomi Watts, Tim Roth e Michael Pitt. 

Violência gratuita conta a história de uma família de classe média alta, formada pela mãe Anna, o pai George e o filho Schorschi (ou Georgie), que vão passar alguns dias em uma casa de campo no interior. Logo após a chegada da família, eles são abordados por dois jovens ameaçadores, Peter e Paul, que fazem a família de refém. Apesar do título em português não ser uma tradução correta do irônico título original (Funny games), ele representa bem o fato de que não há nenhum motivo aparente para a ação dos rapazes a não ser a simples crueldade humana. Os jogos divertidos do título em inglês não se referem apenas às torturas físicas e psicológicas promovidas pelos dois algozes, mas também à direção de Haneke que brinca, a cada instante, com as emoções e expectativas do espectador.

Podemos afirmar que Haneke cumpre o papel de terceiro torturador no filme. Ele parece se divertir, por exemplo, ao introduzir, inesperadamente, um rock heavy metal na abertura do filme, causando um extremo estranhamento desde esse primeiro momento. Em uma das melhores sequências do filme, ele sugere a presença de um dos torturadores, apenas com o barulho de um objeto associado a ele no início do longa, provocando uma tensão sem precedentes. Violência gratuita parece ser um tratado de Haneke sobre o poder de manipulação da arte fílmica sobre as emoções humanas. O diretor deixa claro, em diversos momentos, que se trata de uma obra de ficção. Peter, por exemplo, se dirige ao espectador duas vezes, comentando suas próprias ações. Ao mesmo tempo, Haneke exibe seu poder de envolver o espectador de forma com que o mesmo sofra e se importe com o destino dos personagens.

Um dos aspectos mais interessantes do longa é o fato de Haneke não exibir, em nenhum momento, nenhuma das ações violentas dos criminosos, que são indicadas apenas pelos sons e pela atuação dos atores. O único momento de violência realmente exibido é aquele que parte da vítima. Neste momento, o espectador tende a comemorar a ação da mesma, ou seja, até mesmo o espectador é maculado pelo desejo de violência. As escolhas de Haneke se mostram sempre inteligentes. Ele, por exemplo, mostra o impacto de uma morte importante no filme, fazendo um longo plano em que os personagens, de certa forma, assimilam o que acabou de ocorrer e pensam o que devem fazer a seguir.

Tanto o elenco do primeiro filme, quanto o do segundo fazem um ótimo trabalho, mas o grande destaque em termos de atuação é Susanne Lothar, a mãe do primeiro filme. A personagem Anna  cumpre uma função importantíssima na trama, ela carrega a responsabilidade de lutar pela própria sobrevivência e a da sua família, enquanto o pai se vê impotente desde o início. Em uma das melhores atuações do cinema, Lothar se transforma fisicamente ao longo da projeção, o esgotamento da personagem é algo real e pungente. É quase impossível conter a emoção face às reações da atriz. É fundamental para o jogo de Haneke, que o público torça por sua heroína e Lothar é a grande parceira do diretor para o sucesso do longa.

O filme conta com uma fotografia que opta pelos tons pastéis e com uma iluminação que vai aos poucos se tornando fraca. A ausência de trilha sonora, exceção feita à introdução do rock já mencionado em momentos pontuais da trama, gera uma sensação de um realismo perturbador. Violência gratuita é um exercício cinematográfico genial. A necessidade do remake é discutível, o que não se pode discutir é o talento de Haneke na construção desta história, que pode ser descrita como um verdadeiro soco no estômago e um  tratado sobre a violência.

Trailer do filme de 1997: 
Trailer do filme de 2007:




3 comentários:

  1. Ainda não pude, infelizmente, conferir essa obra, acredita?

    Leo, seus textos são tão ricos e detalhados que vale a pena e dá gosto em ler você, parabéns por isso. Você tem todo um cuidado com o blog!

    abraço e aparece!

    Já te sigo no twitter também!

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  2. Assisti apenas ao original e como você escreveu acredito que a refilmagem não tenha surpresas, no máximo talvez uma amenizada na violência psicológica, em virtude da produção ser americana.

    Estou linkando seu endereço no meu blog,

    Abraço

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