quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Clássicos da Cinemateca - Branca Neve e os Sete Anões

Magic mirror on the wall,
who is the fairest one of all?
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With a smile and a song/ Life is just a bright sunny day/ 
Your cares fade away/ And your heart is young 
Romance, ação, terror, drama, comédia, musical. Todos esses gêneros podem ser encontrados em Branca de Neve e os Sete Anões (1937). Muito provavelmente, esse clássico será para sempre lembrado como a maior realização da Disney e um dos melhores filmes que o cinema hollywoodiano já produziu. A “loucura de Walt Disney”, como o empreendimento ficou conhecido desde que o criador do Mickey o anunciou em 1934, consistiu em fazer um longa-metragem de animação, de 83 minutos, numa época em que os desenhos animados eram tidos como um entretenimento rápido. Ainda que outros longas-metragens de animação tenham sido lançados nos Estados Unidos antes de Branca de Neve (filmes, hoje, considerados perdidos ou raros), foi o clássico de 1937 que inaugurou toda uma linhagem de filmes de animação. Assim, as grandes animações que se seguiram (de O Rei Leão aos filmes da Pixar, passando por A Bela e a Fera e tantos outros) são devedoras da revolução cinematográfica que foi Branca de Neve e os Sete Anões
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- But to make doubly sure you do not fail, bring back her heart in this!
Para realização desse clássico, Disney contou com uma equipe gigantesca, que era composta por mais de 300 profissionais. Essa equipe teve que aprimorar e desenvolver diversas técnicas para que o projeto ambicioso saísse do papel. Uma das maiores inovações foi o uso da câmera multiplano (multiplane camera), que permitia a ilusão de tridimensionalidade ao criar três níveis de ilustração e animá-las diferentemente. Além disso, os animadores tiveram que utilizar uma película maior do que a que então utilizavam para os cartoons, a fim de explorar ao máximo os detalhes da animação. O resultado não poderia ser melhor. Branca de Neve e os Setes Anões é um espetáculo de movimento. Cada um dos inúmeros elementos vistos na tela é dotado de vida. 
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Heigh-ho, Heigh-hoIt's home from work we go
O apuro técnico sozinho não faz um grande filme. E talvez Branca de Neve e os Sete Anõesnão fosse lembrado da mesma forma se não tocasse tanto o coração das pessoas. Para o seu primeiro longa-metragem de animação, Walt Disney escolheu adaptar um conto de fadas bastante conhecido dos irmãos Grimm. Obviamente, não se trata de uma adaptação completamente fiel. O time de Disney se apropriou da essência do texto dos escritores alemães e fez uma versão que se tornou ainda mais popular e conhecida do que o original. Um dos métodos usados por Disney para estimular a criatividade de sua equipe era o de premiar as melhores ideias e gags sugeridas. O processo de criação posto em prática por Walt Disney baseava-se na colaboração, na troca incessante de ideias, um trabalho verdadeiramente feito em conjunto. 
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Ho hum the tune is dumb/ The words don't mean a thing/ 
Isn't this a silly song/ For anyone to sing?
Um dos grandes acertos de Walt Disney foi apostar nas figuras dos sete anões (que nem são nomeados no original). Cada um dos anões é dotado de uma personalidade bem definida, que é explicitada em seus nomes e nos movimentos dos personagens (que são exagerados através da animação para que possam expressar suas emoções). Ao lado de Branca de Neve, os apaixonantes anões são as grandes estrelas do filme.
E por falar na heroína, há mesmo quem defenda que ela é uma das personagens menos interessantes (sem falar do príncipe, cuja presença é ainda menos notável do que no texto original). Passiva e ingênua, Branca de Neve encarna a perfeita dona de casa que deve lavar, passar e cozinhar, enquanto seus homens, os anões, trabalham (recentemente Meryl Streep levantou a questão da misoginia de Walt Disney e talvez seja interessante confrontá-la com a maneira como as princesas são representadas em suas animações, mas isso é uma discussão a parte).
Muito mais interessante e, até mesmo bonita, é a maquiavélica Rainha, que encarna a competitividade sem limites, a valorização excessiva da beleza estética e a vaidade extrema, valores bastante em voga ainda hoje. Altiva e conhecedora das artes da feitiçaria, a Rainha conta com a ajuda de um sinistro espelho.
Não podemos deixar de citar também os animais que povoam o filme. Como de costume em qualquer produção Disney, eles possuem um papel de destaque.
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- All alone, my pet?
Branca de Neve e os Sete Anões é recheado de momentos antológicos que povoam o imaginário de inúmeros cinéfilos. A brilhante (e assustadora) cena em que a heróina se perde na floresta é provavelmente uma das mais lembradas e elogiadas. Mas o filme conta também com momentos de pleno regozijo, como aquele em os anões se deparam com a Branca de Neve dormindo em seu quarto e, quando ela acorda, um por um seus narizes aparecem por detrás da cama. E o que dizer da cena da arrumação, na qual animais (lembra do esquilo que usa o rabo como espanador?) e Branca de Neve fazem a faxina mais divertida da história do cinema?
O filme também conta com muitas canções inesquecíveis, compostas por Frank Churchill e Larry Morey, como "Heigh-Ho", "Some Day My Prince Will Come" e "Whistle While You Work". As dublagens são extremamente eficazes, com destaque para a bela voz de Adriana Caselotti (Branca de Neve) e para a performance inspirada de Lucille La Verne (a Rainha, reparem a mudança de sua voz depois que a personagem se transforma em bruxa). 
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Someday my prince will come/ Someday I’ll find my love/ 
And how thrilling that moment will be/ When the prince of my dreams comes to me
Talvez o espectador dos dias hoje, acostumado com as mais diversas “pirotecnias” cinematográficas, não consiga mensurar a revolução que representou a realização desse clássico, nem mesmo imaginar a reação do público da época (surpresa, choque, encantamento?). E talvez o público daquele tempo não tivesse consciência de estar diante de um dos maiores marcos do cinema. Fato é que “a loucura de Disney” foi um estrondoso sucesso de bilheteria e obviamente de crítica. Feitos os devidos ajustes de inflação, Branca de Neve e os Sete Anões continua sendo um dos filmes de maior bilheteria dos Estados Unidos. Encontrado facilmente na maioria das listas dos melhores filmes da história do cinema, a animação fez diversas gerações rirem, chorarem, cantarem e ainda hoje é capaz de fazer, de qualquer marmanjo, uma eterna criança. 

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Clássicos da Cinemateca - 12 Homens e uma Sentença

“É sempre difícil deixar o preconceito fora de uma questão dessas. Não importa pra que lado vá, o preconceito sempre obscurece a verdade.”

– Você está falando de uma questão de segundos! Ninguém pode ser tão preciso!
– Bem… Acredito que um depoimento que pode colocar um garoto numa cadeira elétrica deva ser preciso!
Sidney Lumet faz parte do panteão hollywoodiano. O cineasta foi um dos deuses do cinema americano, um dos melhores diretores de atores que Hollywood conheceu e um excelente contador de histórias. O incansável e prolífico cineasta nos legou uma filmografia extensa (mais de 50 filmes, além de diversos trabalhos para a televisão), em que abundam obras-primas como 12 Homens e uma Sentença (1957), Um Dia de Cão (1975), Rede de Intrigas(1976), Serpico (1973), O Príncipe da Cidade (1981) e O Veredito (1982)Lumet trabalhou até os 82 anos e seu último filme foi o ótimo Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto (2007).
Lumet foi um dos grandes retratistas de Nova York e é tido como um dos últimos moralistas de Hollywood, tendo tratado de questões fundamentais como justiça e ética. O realismo social e a complexidade psicológica dos personagens são algumas das características mais marcantes do cinema do diretor.
Os filmes de Lumet são geralmente palco de grandes atuações e o cineasta trabalhou, ao longo de sua carreira, com muitas das maiores estrelas hollywoodianas, como: Katharine Hepburn, Ingrid Bergman, Henry Fonda, Sean Connery, Marlon Brando, Paul Newman, Al Pacino, Peter Finch, Richard Burton, Faye Dunaway, só para citar alguns nomes. 

– De acordo com o depoimento, o rapaz parece culpado... Talvez ele seja. Eu me sentei lá na corte por seis dias ouvindo enquanto as evidências era apresentadas. Todos pareciam ter tanta certeza, você sabe, eu... Eu comecei a ter um sentimento peculiar sobre esse julgamento. Quero dizer, nada é tão certo.
Doze Homens e uma Sentença é a adaptação de uma peça feita para a televisão (teleplay). A peça, escrita por Reginald Rose e dirigida por Franklin Schaffner, foi ao ar em 1954. O filme é a estreia de Lumet no cinema. O diretor já havia chamado a atenção pelo seu trabalho na televisão americana, como nas séries The Alcoa Hour (1956) e Studio One (1957). O ator Henry Fonda, além de protagonizar Doze Homens e uma Sentença, também atuou como produtor e foi o responsável por trazer Lumet para o projeto.
O filme conta a história de um júri de 12 homens que deve deliberar sobre a inocência ou culpa de um jovem, acusado de assassinar o pai. O que parecia ser uma decisão simples se complica quando o Jurado 8 (Henri Fonda) questiona a falta de provas para incriminar o rapaz. Um longo e acalorado debate se instaura entre os jurados, até que eles cheguem a um consenso.

– Estamos tentando colocar um homem culpado na cadeira elétrica onde é o lugar dele, aí um homem começa a contar contos de fadas e estamos escutando!
Doze Homens e Uma Sentença focaliza a confrontação dos jurados e os conflitos que surgem a partir das diferentes opiniões, personalidades, origens. Eles são identificados não pelos nomes, mas por números e pelas profissões, o que contribui para a criação de tipos sociais bem definidos. Aos poucos, o espectator se familiariza com o perfil de cada um deles.
Os personagens encontram-se enclausurados na sala do júri e o filme se passa quase integralmenre entre quatro paredes. Para dar a progressiva sensação de claustrofobia, Lumet posiciona inicialmente as câmeras acima do nível dos olhos e utiliza lentes que dão a impressão de maior distância entre os personagens. À medida em que o filme progride, o diretor abaixa o posicionamento da câmera, troca as lentes para que o cenário pareça mais perto dos atores e passa a utilizar os closes com maior frequência.
Uma das grandes forças do filme é a performance do elenco. Lumet submeteu os atores a longos ensaios e chegou a deixá-los fechados durante horas na sala, repetindo as falas sem filmá-los, para que eles sentissem na pele o desconforto e a angústia dos personagens. O resultado é mais do que satisfatório. Destacam-se o grande Henry Fonda e seu antagonista Lee J. Cobb, em uma atuação inspirada. Os diálogos afiados e inteligentes permitem uma reflexão ainda atual sobre o papel e a eficácia do sistema judiciário.
Considerado um dos melhores filmes de tribunal já realizados, 12 homens e Uma Sentença é constantemente utilizado em cursos e seminários para ilustrar dinâmicas de grupo e resolução de conflitos. Em seu filme de estreia, Lumet já demonstra sua imensa habilidade de explorar os dramas humanos, as relações interpessoais, a dificuldade de comunicação do ser humano, a incompreensão e o egoísmo.
Clássico incontornável, obra-prima celebrada por críticos e cinéfilos, 12 Homens e Uma Sentença foi indicado a três Oscars (Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Roteiro), além de ter levado o Leão de Ouro no Festival de Berlim, em 1957.

– Eu não sei realmente o que é a verdade. E suponho que ninguém jamais saberá.