segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Orlando - A Mulher Imortal (1992)

Título original: Orlando
Lançamento: 1992
País: Inglaterra
Diretor: Sally Potter
Atores: Tilda SwintonBilly Zane, Quentin Crisp, Charlotte Valandrey
Gênero: Drama

"A cozinha estava tão escura que mal se podia distinguir uma chaleira de um coador. Um pobre gato preto foi confundido com carvão e atirado no fogo."     (trecho de Orlando) 

Orlando (Tilda Swinton) - versão homem

Em 11 de novembro de 1928, Virginia Woolf publicou Orlando - Uma Biografia. O romance biográfico acompanha a vida do personagem epônimo e fictício, desde o século XVI até 11 de novembro de 1928 (isso mesmo, até a data do lançamento do livro). Com uma narrativa deliciosamente parodística e um narrador ternamente irônico, a autora inglesa produz um dos mais interessantes estudos de gênero da literatura mundial. Orlando, nascido homem (quanto a isso não existe nenhuma dúvida), após algumas desventuras e um par de séculos de existência, acorda, um belo dia, mulher. Muitas páginas foram escritas sobre o romance, muitos estudiosos da literatura, da psicanálise e da filosofia se debruçaram sobre esta ousada obra-prima. O cinema, no entanto, só se atreveu a adaptá-la uma única vez e a responsável por este feito é a diretora inglesa Sally Potter. 

Sally Potter começou sua carreira como diretora em 1969. Apenas em 1983, ela realizou seu primeiro longa-metragem de ficção, o pouco conhecido The Gold Diggers. Seu segundo longa, Orlando, no entanto, teve destaque mundial e chegou a ser indicado a dois Oscar's (Melhor Direção de Arte e Melhor Figurino), além de ter sido lembrado em outras premiações mundo afora. Desde este sucesso cult, Potter fez apenas quatro filmes, provando ser uma cineasta tão interessante quanto pouco prolífica. Apesar de sua trajetória irregular, Potter deve ser parabenizada pela coragem de escrever e dirigir uma adaptação do fantástico romance de Virginia Woolf. 

Orlando (Swinton) - versão mulher
Sem dúvida, a cineasta se deparou com algumas dificuldades nessa transposição. Provavelmente a maior delas tenha sido com relação ao elemento mais irresistível do romance: sua própria narração. A figura do biógrafo, aquele que conta as desventuras de Orlando, poderia ser transposta para o cinema, por exemplo, através de uma voz off. Potter rejeita este caminho mais fácil e óbvio. Para o conhecedor da obra original, é inevitável lamentar a ausência dos comentários irônicos e bem-humorados do biógrafo. Potter, no entanto, consegue preservar resquícios do humor presente no romance (que é, de fato, engraçadíssimo). Se no livro, era o olhar do narrador que portava um humor jocoso, no filme é o olhar de Orlando que cumpre este papel. 

Sally Potter faz escolhas importantes e audaciosas em sua adaptação. Além de amputar a narração, ela enxuga a trama, retirando da trajetória do personagem-título muitos de seus episódios e evocações líricas. A adaptação, que poderia apresentar mais de três horas de duração nas mãos de um cineasta de gosto épico, se desenvolve em apenas uma hora e meia sob a regência de Potter. Assim, a diretora preserva a leveza da história, evitando uma adaptação inchada e cansativa (o que não nos impede de imaginar o interessante épico que o romance poderia originar sob a batuta de um grande diretor). 

Orlando (Swinton) e a Rainha Elizabeth I (Quentin Crisp)
Um dos grandes acertos de Sally Potter é a utilização de um artifício que pode parecer banal, mas que confere todo um charme ao filme. Trata-se do olhar que Orlando (Tilda Swinton) lança constantemente em direção à câmera e, consequentemente, ao espectador. Tais olhares pontuam os acontecimentos da trama e funcionam como os parênteses do narrador no romance. Eles também criam uma relação de intimidade entre o público e o protagonista, como se este convidasse incessantemente aquele a se engajar na história. 

Orlando torna-se importante também por ter sido o filme que deu visibilidade (mas não necessariamente fama) à magnética atriz inglesa Tilda Swinton. A escalação da mesma para o papel principal foi outra jogada de mestre de Potter, afinal Swinton é uma das atrizes mais andróginas que o cinema já viu. Assim, ela não encontra dificuldades em interpretar um personagem que muda de gênero no meio da história. É interessante reparar como a atuação da atriz não se transforma bruscamente, uma vez que, em sua essência, o personagem continua o mesmo. O mais impressionante é perceber que Swinton nos faz esquecer, na primeira metade do filme, que ela é de fato uma mulher interpretando um homem, tamanha é a qualidade de sua composição. Potter ainda se permite brincar, em outros momentos, com a questão do gênero, ao escalar o ator Quentin Crisp (ótimo!) para interpretar ninguém menos que a Rainha Elizabeth I. E o que dizer de Billy Zane que, no filme, parece carregar mais feminilidade que Orlando, já metamorfizado em mulher?

Orlando (Swinton) e Shelmerdine (Billy Zane)
O filme ainda se notabiliza pelo excelente uso dos grandes planos, pela belíssima fotografia e, sobretudo, pela magistral direção de arte e figurino que, além de deslumbrantes, conseguem retratar os diferentes períodos focalizados pela história. Orlando é um ótimo exemplo de uma adaptação que toma a distancia necessária do livro, para tentar transpor, sob uma diferente linguagem, o charme e a magia da obra inspiradora. Na cena final, Sally Potter toma a liberdade de acrescentar um toque psicodélico e autoral, que comprova que ela não tem medo de ousar. 




7 comentários:

  1. Orlando... uma obra literária que li no final dos anos 60... SEmpre imgainei que uma transposicao para as telas "acabaria" com a estória... mas que nada: perfeita direcao, timimg, atores... até a cena em que Orlando se deita como "ele" (e a tres gracas invadem seu quarto) para acordar como "ela" é uma maravilha... Juro que nao havia notado que Quentin Crispe a Rainha Elizabeth - mais uma nota sensacional! Obrigado por relembrar este injustiado filme!!!!!!!!

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  2. Sorry, li no final dos anos 70!!!! (Nao dava para ser nos sessenta... eu nasci em 1960!)

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  3. Ainda não li o livro e pra ser sincero eu nem sabia que ele tinha sido adaptado, fiquei curioso para assistir, ao que parece é uma obra difícil de ser moldada à linguagem cinematográfica, pelos seus elogios ao filme, penso que valerá a pena procurá-lo para assistir... Por falar nisso tenho que colocar a leitura de Virginia também em dia, faz tempo que não leio nada dela, a não ser fragmentos...

    http://sublimeirrealidade.blogspot.com/

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  4. Amo o livro de Virginia e não consegui entender como ele poderia ser filmado, mas Potter se saiu bem e Tilda está excelente.

    O Falcão Maltês

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  5. Adoro o fato de "Orlando", um livro tao curto, se passar ao longo de tantos séculos e "Miss Dalloway" (um "mais gordinho") se passar em um dia da vida dela... Virginia... Maravilha!!!! Voce sabia que ela teve seu primeiro ataque de nervos aos 17? (Ouviu os pássaros em frente a sua janela cantando... em grego clássico!!!!!!). Perdoe-me pelos mal-escritos comentários acima... quando fica frio aqui as teclas do computador emperram (estamos no jardim de inverno!). Hoje nao está tanto... 6 graus!!!! Abraco Ricardo

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  6. Seus comentários são sempre bem-vindos Ricardo (e ótimos)! Também está friozinho aqui em Paris. Grande abraço!

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  7. Leo, adorei seu blog.
    Aproveitei e li alguns resumos/críticas de filmes.
    Sobre este, Orlando, deve ser fantastico.
    Aprecio muito Tilda Swinton, realmente, ela faz um tipo androgino e talvez isso a torne perfeita para os papeis que já interpretou.

    Beijos e voltarei.

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