Lançamento: 1995
País: França
Diretor: Claude Chabrol
Atores: Isabelle Huppert, Sandrine Bonnaire, Jacqueline Bisset, Jean-Pierre Cassel, Virginie Ledoyen
Gênero: Drama/Suspense
Sophie (Sandrine Bonnaire) e Jeanne (Isabelle Huppert) - Uma amizade funesta. |
Em 12 de setembro de 2010, morreu Claude Chabrol aos 80 anos. Recém chegado a Paris, pude presenciar a grande comoção que a morte do cineasta provocou nos franceses, provando que talvez ele tenha sido o diretor mais popular dentre os gigantes da Nouvelle Vague. Assim como Godard, Truffaut, Rohmer e Rivette, Chabrol participou do movimento de renovação do cinema francês nos anos 50, sendo um dos grandes nomes da influente Nouvelle Vague. Em mais de 50 anos de carreira, o prolífico Chabrol dirigiu mais de 50 longas-metragens para o cinema, além de diversos trabalhos para a televisão e curtas-metragens. O cineasta se notabilizou por um gênero em particular: o suspense. Mulheres Diabólicas (1995) é considerado um de seus melhores trabalhos, ao lado de O Açougueiro (1970), A Mulher Infiel (1969) e Um Assunto de Mulheres (1988). O filme é também a terceira de sete parcerias do diretor com uma de suas atrizes favoritas, a talentosíssima e multipremiada Isabelle Huppert.
Mulheres Diabólicas conta a história da jovem Sophie, que é contratada para trabalhar como empregada na mansão de uma família abastada, no interior da França. A dona da casa, Catherine Lelievre (Jacqueline Bisset), deposita grande confiança em Sophie e fica impressionada com a eficiência da jovem e com sua personalidade austera e reservada. A empregada, no entanto, guarda alguns segredos, como o fato de ser analfabeta. Rapidamente, Sophie faz amizade com Jeanne (Isabelle Huppert), moça espontânea e extrovertida, que trabalha no correio da pequena cidade e que não se dá nada bem com Georges Lelievre (Jean-Pierre Cassel), marido de Catherine. Jeanne e Sophie têm algo em comum, ambas foram consideradas suspeitas de assassinato no passado, mas eventualmente inocentadas por falta de provas.
A versão brasileira do título original (La Cérémonie - A Cerimônia) pode ser considerada um pequeno spoiler, uma vez que revela algo que é apenas insinuado durante grande parte do filme. Certamente, um dos grandes charmes da obra de Chabrol é o de construir uma aura estranha em torno das duas protagonistas sem, no entanto, revelar a verdade sobre elas. A banalidade do enredo se contrapõe à sensação de perigo iminente, o que faz do filme uma experiência deliciosamente instigante. A presença de Sophie é inquietante. Monossilábica, fria, estranha, a personagem parece não ser dotada de qualquer traquejo social, impondo uma distância a todos em sua volta, com exceção de Jeanne. É interessante perceber como Catherine tenta estabelecer uma relação afetuosa com a empregada através do contato físico, que é recebido com indiferença. Jeanne, por sua vez, parece o oposto de Sophie, falastrona, espaçosa, bisbilhoteira, ela carrega a energia extra que parece faltar na empregada. Um elemento quase sobrenatural parece atrair essas duas mulheres solitárias, que se tornam cúmplices e amigas. Intuitivamente, elas reconhecem, uma na outra, o mesmo potencial psicopata. Além disso, é possível também perceber um homoerotismo entre as duas personagens.
A relação das duas protagonistas é construída de maneira magistral por Chabrol (que também é responsável pelo roteiro ao lado de Caroline Eliacheff). Jeanne insere o caos na vida de Sophie, que o aceita sem a mínima luta. Jeanne despreza as regras sociais. Nada a seduz mais que a transgressão. Além disso, ela nutre um misto de ódio, desprezo e inveja pela família Lelievre, perfeito modelo da feliz família burguesa. Tudo nos leva a crer que a aproximação de Jeanne a Sophie é arquitetada pela primeira, como uma maneira de se inserir na realidade dos Lelievre. Sophie se entrega à manipulação e, sem nenhuma resistência, entra no perigoso jogo da nova amiga. Ao longo da trama, as duas mulheres parecem se mimetizar, usando, inclusive, o mesmo penteado. Mas não se engane: Sophie nada tem de vítima ou inocente. É interessante perceber, por exemplo, que enquanto sua comparsa revela um pouco de seu passado, Sophie nada expõe de seu mistério, revelando-se, ao final, tão ou mais perigosa que Jeanne.
Chabrol sempre revelou uma visão ácida da burguesia. Em Mulheres Diabólicas, ele faz uma pintura muito interessante da diferença de classes. Os Lelievre são figuras cheias de boas intenções, com uma rotina perfeita, uma casa deslumbrante e cujo programa de família é se reunir para ouvir ópera. A mansão em que vivem se contrasta com o modesto e diminuto apartamento de Jeanne, que é tomada por um sentimento de injustiça social latente. O espectador tende a se identificar com as protagonistas e não com a família, uma vez que o filme adota o ponto de vista das mulheres. O longa-metragem pode ser encarado como uma alegoria de uma "vingança social".
O que seria de Mulheres Diabólicas sem seu ótimo elenco? Sandrine Bonnaire (que tem um rosto lindo e marcante) faz um trabalho impressionante. Uma atuação é magistral quando a personagem parece ter vida própria, se revelando maior que a ficção. A intensidade do olhar de Bonnaire e a precisão de sua interpretação fazem de Sophie uma personagem fascinante e assustadora. A performance contida da atriz se contrapõe maravilhosamente à exuberância de Isabelle Huppert, que nos oferece uma atuação cheia de vida e energia. Completando o elenco, temos a belíssima Jacqueline Bisset, que encarna com naturalidade e elegância a refinada Catherine, e o veterano Jean-Pierre Cassel, também excelente.
Mulheres diabólicas ainda conta com a sombria trilha sonora de Matthieu Chabrol (filho do diretor) e com um final inesquecível, carregado de humor negro, ironia e um tom quase surrealista. Neste filme, Chabrol comprova ser um mestre do thriller, compondo uma narrativa instigante e inquietante.
Assista ao trailer:
Ainda tenho relativamente pouca familiaridade com a filmografia dele, vi poucos títulos, mas gostei bastante do que vi. Preciso conhecer melhor algums de suas obras mais aclamadas...
ResponderExcluirConfira a minha crítica do filme "Uma Garota Dividida em Dois" de Chabrol:
http://sublimeirrealidade.blogspot.com/2011/06/uma-garota-dividida-em-dois.html
Esse filme é de arrepiar, o final é antológico. Parabens por lembrar desse filme e pelo texto!
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