Lançamento: 2011
País: França
Direção: Valérie Donzelli
Atores: Valérie Donzelli, Jérémie Elkaïm, Michèle Moretti, Philippe Laudenbach.
Duração: 100 min
Gênero: Drama
O filho de um jovem casal é diagnosticado com um tumor cerebral |
A relação biografia x obra sempre causou interesse e curiosidade. Na literatura, o crítico Sainte-Beuve acreditava que o trabalho de um escritor era necessariamente um reflexo de sua vida pessoal. Sem cair no radicalismo do crítico francês, podemos afirmar que uma obra de arte carrega em maior ou menor escala um pouco daquele que a fabrica. No cinema, temos casos interessantes. Federico Fellini, por exemplo, incluiu vários elementos autobiográficos em Amarcord (1973) e 8 1/² (1963). Em Persepolis (2007), de Marjane Satrapi, temos um caso explícito de uma autobiografia nos moldes tradicionais, onde até mesmo os nomes verídicos são mantidos. Outros casos são mais complexos. Em Noivo neurótica, noiva nervosa (1977), Woody Allen fala sobre um casal, interpretado por ele e Diane Keaton, que também formavam um casal na vida real na época. A personagem de Keaton chama-se Annie Hall (Annie é o apelido da atriz e Hall, o sobrenome). Apesar do diretor afirmar categoricamente que o filme não é autobiográfico, a comédia tem, sem dúvida, uma forte relação com uma realidade preexistente. E foi através da persona que Allen criou nesse filme, que o diretor passou a ser reconhecido.
A Guerra Está Declarada, longa-metragem francês de Valérie Donzelli, é um filme que, assim como os outros citados acima, nos permite refletir sobre as diferentes maneiras de se realizar uma autobiografia no cinema. Donzelli e seu ex-companheiro, o ator Jérémie Elkaïm, empreendem um projeto audacioso. Os dois escreveram juntos o roteiro de A Guerra Está Declarada, que retrata um período bastante delicado da vida do ex-casal: a descoberta de que o filho de 18 meses tinha um tumor no cérebro e a luta pela cura da criança. Além de terem escrito juntos o roteiro do longa-metragem, Donzelli e Elkaïm, interpretam aqueles que seriam os seus próprios papéis. É tocante também ver, ao final, o filho do casal, Gabriel Elkaïm (a quem o filme é dedicado) fazendo uma participação especial no filme. Mesmo com toda essa dimensão autobiográfica, trata-se de um filme de ficção e não um documentário. Donzelli e Elkaïm conseguem recriar o trauma vivido, construindo uma bela história de amor.
A Guerra Está Declarada não é, portanto, um filme sobre o câncer e sim a história de amor de dois jovens adultos apaixonados e pouco experientes que, inesperadamente, têm que lidar com a possibilidade da morte de seu bebê. A atenção do filme é toda direcionada à trajetória emocional dos protagonistas, à mudança que ocorre em suas vidas. Um detalhe que não passa despercebido é o fato de que os roteiristas optam por conferir outros nomes aos personagens principais: Romeu e Julieta. Não é por acaso que Donzelli e Elkaïm escolhem tais "pseudônimos". O célebre casal da obra de Shakespeare é o símbolo maior da intensidade do amor juvenil e também da tragédia. Ao final da história, os nomes dos personagens ganham uma dimensão ainda mais poética, uma vez que o casal morre simbolicamente para construir um outro tipo de relação. Há ainda em Romeu e Julieta um romantismo exacerbado que tem tudo a ver com a energia e atmosfera do filme, cheio de vitalidade e sempre pulsante.
O longa francês é quase uma opereta. A importância da música no filme é algo impressionante e ela tem como funções dar ritmo, pontuar a narrativa e sublinhar os sentimentos dos personagens. Sem dúvida, o filme deve muito do seu charme às suas músicas. Uma das canções (Ton grain de beauté) foi escrita por Dozelli e é cantada por ela e Elkaïm no filme. Por mais que a letra seja linda, talvez esse seja o único momento musical que não é completamente bem-sucedido no longa, já que parece descolado da narrativa, como se fosse um pequeno clip incluído no filme.
Um grande acerto do filme é que a narrativa é bem ancorada no mundo real, no cotidiano. Romeu e Julieta são dois jovens parisienses. Eles vivem na correira da cidade grande, têm uma vida sem glamour, precisam trabalhar para se sustentarem e, por vezes, dependem da ajuda financeira dos pais. É fácil se identificar com os dramas e conflitos desses jovens adultos. A abordagem realista da diretora se revela também na sua opção em filmar nos hospitais que frequentou durante o tratamento de seu filho e ao utilizar muitos não-atores nos papéis coadjuvantes. O realismo presente na construção dos personagens e na maneira como eles se relacionam entre si é um dos pontos fortes do filme. Impressiona, por exemplo, a naturalidade com a qual Julieta se irrita com a mãe, em uma cena de hospital, nos remetendo realmente à cena típica familiar. As performances dos atores vão de encontro a esse tom de realismo e são baseadas na naturalidade e na simplicidade.
Valérie Donzelli revela extrema sensibilidade em sua direção e nos presenteia com cenas que impressionam tanto pela sua beleza estética, como pela capacidade da diretora de expressar de maneira concisa e inteligente todas as emoções em jogo em diferentes situações. Podemos citar a primeira sequência do filme, que mostra a formação do casal e que se destaca por ser super efervescente e juvenil. Outro grande momento é aquele em que o diretora justapõe as diferentes reações dos familiares à notícia do câncer de Adam. A cena em que Julieta sai correndo pelos corredores do hospital mostra um desesperado desejo de evasão e de fuga da protagonista.
A Guerra Está Declarada foi o candidato francês ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, não ficando entre os finalistas. Fugindo do melodrama e do lugar comum, o longa francês se destaca pela sensibilidade de seu roteiro, pelo cuidado na construção dos personagens e por seu romantismo encantador. O filme é baseado numa experiência pessoal dolorosa, mas Valérie Donzelli nos ensina que, para lutar contra algo tão sério como o câncer, é preciso não se intimidar e se preparar para a guerra com muita esperança e otimismo. A Guerra Está Declarada é mais uma pequena joia do cinema francês atual.
Assista ao trailer:
Este filme é realmente uma joia rara! Adorei o seu blog! Parabéns!!!
ResponderExcluirÓtima crítica! Já tô doida para vê-lo.
ResponderExcluirGanhei convites para assistir a este filme e estou apenas aguardando que ele apareça em alguma salinha nessa minha província. Por enquanto está lá como "Em Breve".
ResponderExcluirSe o filme for tão bom quanto sua crítica eu já vi que não irei me arrepender de assistí-lo.
[]´s
Não conhecia, mas parece ser ótimo! Espero vê-lo em breve.
ResponderExcluirNão consigo gostar do tema doença...
ResponderExcluirO Falcão Maltês
Ousado e maduro no uso da doença como uma espécie de macguffin, ao invés de fim narrativo, que nada mais seria do que a fratura, imaturidade e convivência diária do relacionamento dos dois.
ResponderExcluirMais impressionante é que, atualmente, Valérie e Elkhaim estão divorciados e não hesitaram em reunir-se nesse longa. Isso sim é amar cinema.
menino, voce é maravilhoso. como aprendo aqui...
ResponderExcluirwow!!!!!!!!!!!