segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Valsa com Bashir - 2008

Título original: Vals Im Bashir
Lançamento: 2008 
País: Israel
Direção: Ari Folman
Depoimentos de: Ron Ben-Yishai, Ronny Dayag, Ari Folman, Dror Harazi.
Duração: 90 min
Gênero: Animação/Documentário


Valsa com Bashir é o terceiro longa-metragem de Ari Folman, diretor, roteirista e compositor israelense. Aos 19 anos, Folman era soldado do Exército de Defesa Israelense, tendo combatido na Guerra do Líbano (1982/1983). Em Valsa com Bashir, o diretor tenta reconstruir sua memória do período de guerra. Quando um amigo do cineasta o procura para relatar um pesadelo recorrente que tem tido e que estaria relacionado a uma de suas missões no Líbano, Ari percebe que não consegue ter lembranças nítidas desse período. O diretor então inicia uma busca pela verdade, recorrendo aos seus colegas de infantaria e colhendo depoimentos. A sombra do terrível Massacre de Sabra e Chatila (16-18 de setembro de 1982) perturba o diretor. Tal massacre foi responsável pela morte de centenas (não se sabe o número exato) de refugiados civis palestinos e libaneses, tendo sido perpetrado por uma milícia falangista cristã libanesa. O genocídio foi uma resposta ao assassinato de Bashir Gemayel, presidente eleito do Líbano em 1982 e líder da milícia cristã de extrema-direita apoiada por Israel. A relação do Exército Israelense com o massacre nunca foi devidamente esclarecida. 

A campanha publicitária do lançamento de Valsa com Bashir reivindicava que este era o primeiro documentário de animação realizado na história do cinema. No entanto, mais importante do que a discussão sobre o fato de ele ser ou não o primeiro (e existem partidários para as duas teorias), é compreender a dinâmica desse longa-metragem e o que faz dele um documentário e não um filme de ficção. Por vezes, nos deparamos com filmes que desafiam todo tipo de classificação e que revelam uma linguagem híbrida, nos provando que certas obras de arte não podem ser rotuladas. E mais, como definir precisamente o que é um documentário? Podemos tentar: documentário é um filme construído a partir de documentos reais e se caracteriza pela relação direta com uma realidade pré-existente, por veicular imagens dadas como verídicas, que não passam pelo poder criador do homem. A objetividade e a fidelidade ao real são marcas da abordagem documentarista. Como não poderia deixar de ser, Valsa com Bashir cria um problema para a nossa definição. As imagens do filme se distanciam do referente real e são derivadas da mão do homem. Como um desenho pode ter valor de documento, se não é a reprodução direta da realidade? Ari Folman nos prova que tudo é possível no cinema.

A escolha de se realizar um documentário sob a forma de animação é fascinante, já que o desenho permite representar o que dificilmente poderia ser representado ou mostrado de outra forma. Como dar a real dimensão da barbárie e mostrar o efeito da guerra sobre os homens? Talvez o desenho consiga transmitir com mais fidelidade o horror de um massacre do que uma imagem jornalística. A animação contorna também o problema da ausência de documentos e arquivos e permite que as pessoas se exponham, sem, no entanto, revelar seus rostos. Outra vantagem da animação, explorada magnificamente por Folman, é que ela permite representar os sonhos e pesadelos dos entrevistados. As sequência oníricas do filme são belíssimas, ricas em simbologias e Folman se interessa explicitamente pela dimensão psicanalítica da história. O agenciamento da realidade psíquica, do presente e da realidade histórica é representado pelo uso das cores no filme. As cenas de alucinação e as do massacre se caracterizam pelo uso de tons amarelados e do preto, as cenas dos sonhos são dominadas pelo verde, azul e laranja, já as cenas realistas do presente são caracterizadas pelas cores frias. 


Mesmo optando pela animação, Folman obedece a certos códigos do documentário. Antes de escrever o roteiro, o diretor fez uma rigorosa pesquisa, documentação e colheu entrevistas. Os desenhos da maioria dos entrevistados são inspirados na fisionomia dos mesmos. Além disso, a dublagem é feita pelos próprios entrevistados e não por atores, ou seja, Folman fez as pessoas regravarem os depoimentos que concederam anteriormente. O diretor também mostra na tela os nomes dos entrevistados, procedimento comum do documentário. Folman concebe cada cena segundo o ponto de vista de uma câmera real, tentando se aproximar de uma estética realista e imitando, por exemplo, a instabilidade da câmera nos ombros, em determinados momentos do filme. 

Todos os aspectos formais do filme estão a serviço de uma busca pela memória, um afrontamento do trauma, daquilo que ficou mal resolvido no passado. O documentário funciona como um ato político ao revisitar e denunciar um passado doloroso, ainda pouco compreendido e ao tentar lançar uma luz sobre uma tragédia que muitos preferem esquecer. Sobre quais ombros pesam a morte das centenas (e talvez milhares) de pessoas inocentes cujas vidas foram tiradas precocemente no funesto setembro de 1982? Folman estava lá e mesmo não tendo puxado o gatilho contra os civis palestinos, ele sabe que de alguma forma participou do genocídio. O documentário é uma forma de expiar os pecados de toda uma geração e de toda uma sociedade. 

É interessante notar que Folman cede à tentação e acaba inserindo, ao final do documentário, uma cena filmada pela televisão inglesa após o Massacre de Sabra e Chatila. Por que será que o diretor se sentiu impelido a inserir o vídeo após o filme? Será uma maneira de chamar a atenção do espectador de que tudo o que foi contado anteriormente ocorreu de fato, criando uma ligação direta entre a animação e a realidade? Ou será que ele quis simplesmente mostrar que tal imagem não tem o poder de dar a dimensão de tudo o que o ocorreu naquelas noites de setembro e que todo o filme foi uma preparação para compreender aquela cena trágica? De qualquer forma, Valsa com Bashir é um dos documentários mais instigantes que o cinema produziu nos últimos anos.  


Assista ao trailer:




4 comentários:

  1. Acho que ele achou que, a estilização animada na cena final não conseguiria mais mostrar a real brutalidade daqueles eventos que acabamos de testemunhar. Em outras palavras, não há como "animar" a morte de crianças e mulheres.

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