Lançamento: 2011
País: França / Bélgica
Direção: Michel Hazanavicius
Atores: Jean Dujardin, Bérénice Bejo, John Goodman, Penelope Ann Miller.
Duração: 100 min
Gênero: Comédia Romântica
George Valentin (Jean Dujardin) e Peppy Miller (Bérénice Miller) |
Nada mais inusitado do que fazer, em pleno século XXI, um filme mudo e em preto em branco, enquanto grande parte da indústria cinematográfica está se rendendo a avanços tecnológicos como a evolução do 3D e do motion capture. Nada mais genial e rentável também, ao que parece. O projeto do diretor francês Michel Hazanavicius é um ímã de prêmios. Em poucos dias de diferença, O Artista levou o prêmio de Melhor Filme e Melhor Diretor do Critics' Choice Awards e o Globo de Ouro de Melhor Filme de Comédia. Entretanto, já desde o Festival de Cannes (onde Jean Dujardin ganhou o prêmio de Melhor Ator), o filme vem recebendo prêmios, elogios e constando em praticamente todas as listas de melhores filmes do ano. A crítica dos Estados Unidos, em especial, parece nutrir um afeto incomensurável pelo longa, o que não é de se admirar já que O Artista é uma grande homenagem ao cinema americano.
Ser uma homenagem não garantiria, no entanto, o sucesso do filme. Afinal, fazer uma reverência ao passado não significa, necessariamente, fazer um filme de qualidade. Pois bem, Michel Hazanavicius conseguiu, de uma maneira extremamente inteligente e audaciosa, se revelar para mundo e mostrar um inesperado e grande talento. O diretor francês tem no currículo apenas quatro longas-metragens, um curta e vários trabalhos para a televisão. Pode-se afirmar que, até o início do ano passado, Hazanavicius não havia "estourado", nem chamado muita atenção, apesar do relativo sucesso das suas comédias francesas Agente 117 (2006) e sua sequência OSS: 117 - Rio ne répond plus (2009). Que O Artista virou um grande hit todo mundo sabe, mas será que ele é tão bom quanto falam?
Jean Dujardin e Bérénice Bejo dançam no filme |
Em O Artista, Hazanavicius completa a terceira parceria no cinema com Jean Dujardin. O galã, versão francesa de George Clooney, conquistou fama através do seriado televisivo de sucesso Un gars et une fille (1999-2003). Desde então, ele vêm construindo uma carreira consistente no cinema francês, sendo um dos atores mais requisitados do país. Conhecido por suas habilidades cômicas, Dujardin também já se aventurou em papéis mais desafiadores como na fantástica comédia dramática de humor negro Le bruit des glaçons (2010), onde interpreta um alcoólatra com câncer terminal. Às vésperas de completar 40 anos, o ator se vê no auge de sua carreira que tem tudo para avançar ultramares. A indicação ao Oscar de Melhor Ator parece fato consumado.
Como par romântico de Dujardin no filme, Hazanavicius escalou sua mulher na vida real, a belíssima atriz argentina Bérénice Bejo. Essa não é a primeira vez que marido e mulher trabalham juntos no cinema. Bejo também esteve em Agente 117. A atriz de 35 anos construiu sua vida e carreira na França e tem dois filhos com o diretor. Apesar de ser a atriz principal do filme, ela tem sido promovida para as premiações como coadjuvante e também está a um passo de uma indicação ao Oscar. Bejo e Dujardin compartilham a cena com um elenco de atores americanos (o filme foi inteiramente rodado nos Estados Unidos). Os famosos John Goodman, James Cromwell, Penelope Ann Miller e Missi Pyle também participam do longa.
O Artista conta a história de George Valentin (Jean Dujardin), grande astro de filmes mudos que, certo dia, tromba com uma espevitada fã, Peppy Miller (Bérénice Bejo), que logo começa, ela também, a trabalhar no cinema. A vida do ator vira de cabeça para baixo com a chegada do cinema sonoro, com a qual ele recusa ase adaptar. O nome "Valentin" é, provavelmente, uma referência a Rudolph Valentino, grande estrela do cinema mudo que morreu, aos 31 anos, um ano antes da chegada do cinema sonoro, em 1926. A sinopse do filme nos remete, imediatamente, ao clássico Cantando na Chuva (1952), que também retrata a chegada do som ao cinema. E não é que Dujardin é parecido com Gene Kelly, protagonista do musical de 1952?
A atriz argentina Bérénice Bejo é casada com o diretor do filme, Michel Hazanavicius. |
O enredo do filme é, em si, extremamente simples, pouco original e previsível. Mas isso pouco importa. A última preocupação do filme é soar original, ou melhor, no caso dele, ser original é justamente imitar um modelo "fora de moda". Desde a primeira sequência, Hazanavicius nos mostra que trata-se de um filme de alto teor metalinguístico. É interessantíssimo como o diretor faz questão de focalizar constantemente a plateia, se interessando nas reações do público e retratando o lugar privilegiado que o cinema ocupava na vida das pessoas já no final dos anos 20.
O Artista acaba sendo para o Hazanavicius um espaço para brincar com as convenções e códigos do cinema clássico. O diretor faz uso de diversos recursos típicos do cinema antigo, nos brindando com ótimas gags visuais, sobreposição de imagens, utilizando com frequência a transição de íris (círculo), brincando com a iluminação, com os estilos e gêneros (indo da comédia pastelão ao melodrama e passando pelo aventura de capa e espada, e até mesmo pelo expressionismo alemão numa ótima sequência de sonho). O diretor francês prova não apenas gostar da era de ouro hollywoodiana, como também ser um profundo conhecedor da mesma.
O filme faz referências a diversos artistas e é possível identificá-los em vários momentos. Como não ver Gene Kelly e Debbie Renolds na sequência em que Valentin e Miller dançan juntos? Ou Douglas Fairbanks quando Valentin interpreta D'Artagnan de Os três Mosqueteiros? E a pinta de Miller não lembra Marilyn Monroe? No entanto, uma das homenagens mais significativas do filme é a cena do café da manhã entre Valentin e sua mulher, adaptação da ótima cena do grande clássico Cidadão Kane (1941). Nela, vemos a gradual degradação do casamento dos personagens, sem que seja preciso que eles falem sequer um "a".
Primeiro encontro dos protagonistas |
Vários fatores contribuem para que O Artista consiga ser um projeto bem-sucedido. A direção de fotografia do filme é fenomenal, revelando um cuidado extremo ao agenciar diferentes estilos e fazendo referências a várias tendências ou momentos da história da fotografia no cinema. A direção de arte e figurino trabalham juntas numa reconstituição de época impecável (e é interessante notar o quanto a década de 30 inspirou os cineastas no ano que passou). A trilha sonora de Ludovic Bource (premiada no Globo de Ouro) é um dos grandes sucessos do filme e adquire uma função fundamental, uma vez que ela pontua a narrativa e é praticamente onipresente ao longo de toda a projeção. A trilha sonora, assim como a fotografia, é extremamente auto-referencial, ou seja, busca inspiração nos tipos de músicas usados nos clássicos.
Recentemente, a atriz Kim Novak acusou o filme de plagiar um dos temas musicais de Um Corpo que Cai (1958), composto por Bernard Herrmann. O tema de amor inesquecível da obra de Hitchcock foi realmente utilizado tal como foi composto, sem nenhuma mudança sequer. O uso, no entanto, é assumido e acusado pelo próprio filme em seus créditos finais, onde a peça é citada como música adicional. Além do mais, o filme é um acúmulo de "apropriações" diretas ou indiretas e se todos os autores (se estivessem vivos) fossem processar, os produtores iriam à falência. É importante acrescentar que Hazanavicius assume veementemente que o filme é uma homenagem e, de certa forma, uma colagem de vários momentos inesquecíveis do cinema. Deve-se destacar também que O Artista não é um filme completamente mudo e a sabedoria do diretor consiste em saber utilizar os sons diegéticos (aqueles da própria narrativa) em momentos-chaves da trama, de forma inteligente e surpreendente.
Somando-se à excelência da técnica do filme, temos o charme, a versatilidade e o carisma de Jean Dujardin e Bérénice Bejo. Os dois atores conseguem exalar toda a magia típica das estrelas do cinema clássico e ambos estão encantadores em seus respectivos papéis. Talvez toda a visibilidade que o filme tem tido, faça com que os atores lancem vôos mais altos, investindo também em produções internacionais. Vale destacar também um outro astro do filme. Trata-se do cachorrinho Uggie que interpreta o mascote de Valentin. Ele e Cosmo (de Toda Forma de Amor) são as maiores revelações caninas do cinema nos últimos tempos.
O Artista é um filme encantador, bem-realizado e divertido. Acredito que ele ainda possa alimentar interessantes discussões com relação à reconstituição que faz do cinema mudo. Será que a "imitação" tem o mesmo valor artístico que uma obra "original"? Será que o sucesso do filme não se apóia muito mais em um empréstimo de fórmulas já consagradas, em uma manipulação de um tipo de nostalgia cinematográfica? Questões a serem discutidas. Como homenagem, o filme é um delicioso entretenimento e uma aula de cinema. Melhor do que o concorrente A Invenção de Hugo Cabret (2011)? Na minha opinião, não.
(Filme visto em Toulouse, França, no dia 16/01/2012)
Clique aqui e assista ao trailer
Esse é um dos filmes dessa leva de 2011 do Oscar que menos tem me animado, junto com Os Descendentes. Mas seu texto conseguiu me prender bem, e agora minha vontade de ver O Artista aumentou muito. Parece ser um bom filme, agora é ver como o público leva uma fita em p&b em 2011.
ResponderExcluirAinda não o assisti, mas se ele peca pela falta de originalidade, tal pecado é compensado pela ousadia de seus realizadores... Imagino que sua produção tenha sido de fato impecável, pois o filme tem conseguido sair dos ditos circuítos "cults" e atingir o público médio... Mal posso esperar para conferir!
ResponderExcluirhttp://www.sublimeirrealidade.blogspot.com/
Mal posso esperar para ver esse filme, tenho muita expectativa!
ResponderExcluirAh, este filme anda a encabeçar a minha lista a ver em 2012, o quanto antes, uma vez que sou ardoroso fã das antigas películas mudas, bem como de Cantando na Chuva e dos musicais em sua esteira! Belo texto, parabéns! Abração!
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