sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Carnage (Deus da Carnificina) - 2011

Título original: Carnage
Lançamento: 2011
País: França, Alemanha, Polônia, Espanha
Atores: Jodie FosterKate Winslet,Christoph Waltz e John C. Reilly
Diretor: Roman Polanski
Duração: 79 min
Gênero: Comédia/ Drama

Dois casais à beira de um ataque de nervos

Um filme baseado em uma peça de teatro. Quatro personagens, dois casais. Indivíduos que revelam, pouco a pouco, suas verdadeiras faces e suas respectivas neuroses. Casamentos disfuncionais. Uma visita regada a whisky, verdades indigestas e vômito. Poderíamos estar falando de Quem tem medo de Virginia Woolf? (1966), mas a obra em questão é Carnage, adaptação de Roman Polanski para a bem-sucedida peça Deus da Carnificina, da escritora francesa Yasmina Reza. Assim como ocorre no clássico de Mike Nichols, o huis clos de Carnage é o palco encontrado para exorcismo de vários demônios, lugar onde são desferidas diversas acusações e fraquezas são expostas. 

Assim que foi anunciada a adaptação da peça, criou-se grande expectativa com o projeto não só pelo ácido texto de Reza, mas pela possibilidade do nascimento de um novo clássico. O engajamento do mestre Roman Polanski à filmagem e o casting de um quarteto de atores, que somam juntos nada menos que 4 Oscar's e 12 indicações ao prêmio, elevou ainda mais a expectativa de um grande filme. Deve-se ainda destacar o sucesso das montagens da peça em Zurique, Londres e nos Estados Unidos. A adaptação da Broadway foi indicada a vários Tony's e a ótima Marcia Gay Harden foi premiada como Melhor Atriz. Com um elenco completamente diferente das montagens no teatro, o texto de Reza agora está imortalizado, quase sem nenhuma alteração, também no cinema. 

Eis como podemos resumir a história de Carnage: Após uma discussão, Zachary, 11 anos, atacou o coleguinha Ethan, da mesma idade, com um pedaço de pau, quebrando dois dentes do garoto. Os pais do agressor, Alan (Christoph Waltz) e Nancy (Kate Winslet), vão à casa dos pais do agredido, Penélope (Jodie Foster) e Michael (John C. Reilly), para, então, discutirem os procedimentos a se tomar depois deste evento. A visita, que se inicia com ares de diplomacia e cordialidade, vai sendo estendida até o momento em que as verdades começam a serem ditas e o falso clima de harmonia desaparece. 

Ótima cena de Carnage
Para começar, é interessante observar a importância do que é dito e do que não é dito na história e, principalmente, quem fala. O espectador não tem acesso, em nenhum momento, às vozes dos personagens diretamente envolvidos no acontecimento motriz do filme. Além das duas crianças não estarem presentes na ocasião do encontro dos pais, elas não revelam para os mesmos o que motivou a agressão e qual o contexto do confronto. Tanto os quatro personagens principais, quanto o público, continuarão às escuras até o final da projeção. De acordo com Penélope, Ethan relutou até mesmo a denunciar Zachary. Existe, portanto, uma forma de cumplicidade infantil que não é respeitada pelos pais, compreensivelmente ansiosos para tudo compreender e punir. Desde o início da trama, fica claro que a história não gira em torno das crianças e sim dos adultos, que muitas vezes se comportam como crianças. Mas existe outro tipo de não-dito na história que nada tem a ver com os meninos, trata-se da animosidade que se cria entre os quatro personagens, as verdadeiras impressões, o caos que cada um esconde. Esse não-dito se torna, eventualmente, dito. 

Podemos afirmar que Yasmina Reza trabalha através de estereótipos, construindo e desconstruindo os mesmos. Seus personagens, não fogem muito, no entanto, de tipos. Podemos delinear aqueles responsáveis pela ação e aqueles que têm uma postura passiva. Neste sentido, a peça/filme pode ser considerada até mesmo feminista. São as duas mulheres que fazem a história acontecer, sendo autoras dos principais gestos. São elas que estimulam o conflito e que parecem realmente se importar com o assunto. Se por um lado, podemos falar em feminismo, por outro podemos também falar em um machismo gritante, já que o estereótipo da mulher encrenqueira, insatisfeita e reclamona também é mantido. 

Penélope (Jodie Foster) é louca por livros de arte.
Comecemos falando de Penélope. Trata-se, em minha opinião, da personagem mais interessante do filme. É ela a instância que não consegue se calar, a parte mais incomodada com a agressão. Ela deixa escapar, por diversas vezes, o quão abominável ela considera o gesto de Ethan (já na primeira cena ela diz  que a criança estava "armada"). Combativa, intelectual, culta, engajada com o mundo, a personagem é a iniciadora do conflito. Penélope é a encarnação da consciência do mundo. No entanto, ao tentar fazer as coisas certas e  ao não ser levada a sério, ela se perde em sua própria histeria. 

Nancy (Kate Winslet) é louca pela sua bolsa e pelo seu estojo de maquiagem.
Nancy é o oposto de Penélope, sendo a encarnação da burguesa bem-sucedida, com cada fio de cabelo  no lugar, postura elegante e contida (pelo menos a princípio). Logo no início, Penélope sentencia: a mãe de Zachary é uma "fake". A falta de autenticidade inicial da moça só consegue ser quebrada a partir do momento em que ela vomita, exibindo sua fragilidade e pondo literalmente para fora toda a frustração e irritação que ela estava armazenando até então. O vômito é o momento de catarse da personagem (e, sem dúvida, uma das grandes cenas do filme). Nancy também se revela combativa e o fato de um hamster ter sido abandonado na rua, lhe causa a maior indignação. 

Alan (Christoph Waltz) não vive sem seu celular.
Alan é a figura do homem de negócios de sucesso, estratégico, insensível e completamente tomado pela sua vida profissional. Sua visão cínica e irônica sobre as coisas, faz dele o personagem mais engraçado (a persona de Waltz cai como uma luva ao papel). O personagem é diminuído à condição de criança quando seu brinquedinho, digo, seu celular, entra em pane. Por fim, Michael é o homem-banana, que se deixa governar tanto pela mãe, quanto pela esposa. Fraco, sem grandes ambições, grandes opiniões, Michael se deixa levar ora por Penélope, ora por Alan. 

Michael (John C. Reilly) é especialista em artefatos domésticos.

E onde entra Roman Polanski em tudo isso? Como um grande diretor manifesta sua habilidade em um filme tão apegado a suas origens teatrais e que se passa em um só lugar? A tarefa de se adaptar uma peça teatral é sempre arriscada, já que o objetivo é realizar-se um filme e não um teatro filmado. Polanski, sabendo disso, nos presenteia com mais uma grande direção. A maneira com a qual ele cria uma narrativa circular, em que a cena de abertura dialoga com a final, a decupagem do filme, a criação de um ambiente claustrofóbico e a direção dos atores são fenomenais. E por falar em atores, nós temos sem dúvida um dos melhores trabalhos de elenco deste ano que passou. Talvez John C. Reilly brilhe menos, mas acredito que seja mais em função de seu personagem. Foster, Winslet e Waltz tem momentos espetaculares e poderiam, sem dúvida, terem sido mais lembrados nesta temporada de premiações (que ainda não acabou). 

Quem esperar por um novo Quem tem medo de Virginia Woolf?, talvez vá se decepcionar um pouco com Carnage. O clássico de Mike Nichols, este sim, é uma carnificina impiedosa e um mergulho intenso na alma humana. Carnage é, no máximo, uma carnificina light, cômica e leve. Não consegue também ir muito fundo em seus personagens, nos oferecendo um mar de infinitas possibilidades. Ao fim dos parcos 79 minutos de projeção, ficamos querendo mais. Mesmo assim, é um filme divertido e, ao contrário de muitos, faz até pensar. 





3 comentários:

  1. Olá Leonardo, Como vai?
    Legal o Post, Ainda não vi o filme, tenho comigo a intenção de que NUNCA mais Kate Winslet, Roman Polanski e Jodie Foster vão fazer algo superior ao que já fizeram (Titanic, O Pianista e O Silêncio Dos Inocentes Respectivamente)mas é sempre bom vê-los em ação...

    Abração

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  2. É um filme pequeno que realmente soube trabalhar pra deixar querendo mais, e soube trabalhar o lado teatral e a personalidade de cada personagem. E ótima crítica esta sua, descascou completamente cada persona oculta do novo filme do Polanski em poucas palavras.
    Abraços!

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