segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Tess - 1979

Título original: Tess
País: Inglaterra/ França
Lançamento: 1979
Diretor: Roman Polanski
Atores: Nastassja KinskiPeter Firth,  Leigh Lawson
Gênero: Drama




Roman Polanski e a origem do filme

Roman Polanski, cineasta polonês, nascido na França, estreou no cinema como ator, função que nunca abandonou por completo. Ele dirigiu seu primeiro longa-metragem aos 29 anos, em 1962. Seu primeiro filme, A Faca na água, já revelava o quão promissor ele era e lhe rendeu sua primeira indicação ao Oscar, por Melhor Filme Estrangeiro. Em 1979, quando lançou Tess, ele já possuía grande prestígio e alguns clássicos no currículo, filmes que se tornaram, quase instantaneamente, cults, tais como Repulsa ao Sexo (1965), A Dança dos Vampiros (1967), O Bebê de Rosemary (1968) e Chinatown (1974).

Em 1969, a esposa de Roman Polanski, a belíssima atriz Sharon Tate, foi assassinada por seguidores do líder fanático Charles Manson. Ela estava grávida de oito meses. Pouco tempo antes de morrer, Tate havia dado para o marido uma cópia de Tess of the d'Urbervilles, romance de Thomas Hardy,. A atriz acreditava que a obra poderia render um grande filme. Ela interpretaria o papel principal. Dez anos depois, o diretor finalmente realizou o projeto. O filme se inicia com a simples e singela dedicatória “Para Sharon”. Como substituta de Tate, Polanski escalou a atriz Nastassja Kinski, com quem matinha uma relação amorosa desde 1976. Ela tinha apenas 16 anos quando eles se conheceram. Em 1978, o cineasta foi acusado de violentar uma menina de 13 anos. Em Tess, a protagonista, também adolescente, é estuprada por um homem mais velho. Material para uma análise psicanalítica é que não falta na vida e obra de Polanski.

O romance

O romance de Thomas Hardy, publicado em 1891, teve uma recepção mista na época de sua aparição, sendo visto, por muitos, como ultrajante, uma vez que desafiava os valores morais de seu tempo. A obra é hoje considerada um dos grandes textos da literatura inglesa e um dos melhores trabalhos de seu autor. Parte do êxito do romance é sua fascinante protagonista, Tess. Nastassja Kinski, atriz alemã, filha do grande ator Klaus Kinski, tinha apenas 18 anos quando encarnou a personagem nas telonas. Ela foi considerada uma das grandes revelações do cinema em 1979, chamando atenção também pela sua beleza.

Tess é a história de uma adolescente, de aproximadamente 16 anos, que vê sua vida tomar um rumo completamente inesperado a partir de uma revelação feita pelo pároco do lugarejo onde mora. Tal indivíduo, que havia estudado a árvore genealógica das famílias locais, revela ao pai beberrão de Tess, que sua família, os Durbeyfield, são, na verdade, uma ramificação de um nobre e antigo clã, os D’Urberville. Essa descoberta vem como um choque para os Dubeyfield que, vivendo numa quase miséria, tentam tirar alguma vantagem desse parentesco nobre. A mãe de Tess a envia, então, à casa de uns prováveis parentes, que portavam o nome de D’Urberville, para pedir ajuda financeira. Tratava-se de uma família rica, que habitava há alguns quilômetros do vilarejo. Chegando à mansão dos D’Urberville, Tess se depara com Alec, filho da matriarca. Ele se encanta com a garota e propõe que ela trabalhe na propriedade. Após várias tentativas frustradas de seduzi-la, ele a estupra, aproveitando-se de um momento de fraqueza da jovem. Após algumas semanas vivendo como amante de Alec, Tess decide ir embora da mansão para tentar recomeçar sua vida. Ela estava grávida. A má reputação, originada do fato de ter perdido a virgindade antes do casamento, a perseguirá, mesmo depois de encontrar o grande amor, Angel. 

Um filme épico?

Tess, o filme, apresenta evidentes características do gênero épico. Para começar, o enredo é centrado numa personagem elevada, pelas suas qualidades morais, à condição de heroína. O filme acompanha a trajetória dessa heroína, que é também uma jornada de autoconhecimento, aprendizado e iniciação. Essa trajetória é marcada por sofrimentos, encontros, desafios e dificuldades que devem ser superadas. Além disso, Tess é uma grandiosa e monumental obra cinematográfica. Não por acaso, o filme de Polanski me fez lembrar E o vento levou (1939).

Tess D’Urberville

Assim como no clássico de 1939, temos uma protagonista feminina que atravessa uma verdadeira via crucis ao longo da história. O que me fez ligar os dois filmes e as duas personagens é o fato de Tess e Scarlett O’Hara serem praticamente o oposto simétrico uma da outra, ambas sendo exemplos de superação e vivendo mais ou menos na mesma época: uma na Inglaterra, a outra nos Estados Unidos. Enquanto a primeira é uma heroína tradicional, uma mulher de alma pura, romântica, de valores inabaláveis e de conduta admirável, a segunda é a grande anti-heroína, manipuladora, pragmática, ardilosa, avant-garde e egoísta. As razões que nos fazem amar Scarlett são as mesmas que nos fazem, muitas vezes, ter certo distanciamento por Tess. Tess opta pelo caminho mais difícil, ela escolhe sofrer. Analisando, no entanto, a personagem com um pouco mais de cuidado, percebemos que ela é muito mais complexa do que aparenta.

Tess abraça intensamente a tragédia, como exemplifica bem o final da trama. Podemos supor que inconscientemente ela busque o sofrimento. Será ela uma suicida em potencial? Se, a princípio, ela parece ser uma mulher forte e decidida, por fim, podemos constatar sua fraqueza e vulnerabilidade. Por mais que ela tente se impor, ela acaba sempre cedendo àqueles que a feriram. Ela cede ao manter um breve caso com Alec; ao aceitá-lo de volta, após o abandono de Angel; e ao voltar para Angel quando ele lhe pede perdão.

Tess é uma personagem claramente melancólica, tipicamente romântica. Sensível, introspectiva e amante da natureza, ela encontra em Angel (Peter Firth) seu par perfeito. O rapaz, que também sofre de certa melancolia romântica, é rebelde, sorumbático, despreza a burguesia e tem interesse por música e literatura. Ele tem espírito de poeta. Não por acaso os personagens se apaixonam um pelo outro. O amor que nasce entre os dois é tão lindo, quanto idealizado. Quando a dura realidade vem afrontá-los, a ilusão se desmancha.

A protagonista pode ser também analisada sob outro ângulo. Ela pode ser vista como uma personagem mística. É muito intrigante a relação dela com a natureza, com Deus, com rituais religiosos e com o paganismo (refiro-me aqui à cena em que ela deita no altar de um antigo templo pagão, como prestes a ser sacrificada). Assim, é possível estudar a maneira com a qual a personagem é associada ora à figura da santa, ora à da mártir religiosa (como Joana D’Arc), ora à da deusa.

O nome

O filme não deixa de ser também um interessante retrato histórico-social da época vitoriana. A hipocrisia social, a situação da mulher, a diferença entre classes e a transformação da sociedade são retratados pelo filme. O nome, marca de status social, é mostrado pela trama como uma simples mercadoria. Até os “mal-nascidos”, membros da ascendente burguesia ligada à indústria, podem adquirir um nome nobre. O que chama a atenção na história é a transformação que um detalhe, a princípio tão insignificante, traz para a vida de Tess. A associação de Tess ao nome D’Urberville é marco inicial da desgraça na vida da protagonista. Como em Romeu e Julieta, o nome sela o destino funesto dos personagens. A importância do novo nome é explicitada no título da obra original que é Tess de D’Urberville e não Tess Durbeyfield ou, simplesmente, Tess.

O filme: a direção de Polanski, Ingrid Bergman e James Dean e a influência da pintura

A minúcia da direção Roman Polanski se deixa transparecer na maneira com a qual ele revela cada detalhe; ao nos apresentar Tess sempre como um personagem a parte dos demais; ao introduzir Alec em cena de forma inesperada, como se ele fosse um predador; ao retardar ao máximo a descoberta do rosto de Angel... O filme encanta tanto nos planos gerais, que mostra as belas paisagens inglesas, as pradarias, os campos de centeio, quanto nos lindos closes sobre o rosto da estonteante Nastassja Kinski. Apesar de não ser perito no assunto, vejo uma imensa influência da pintura na fotografia do filme. Os planos são tão bem construídos que muitas vezes nos remetem a telas clássicas. Não só a utilização das cores nos remete à pintura, mas também a escolha dos temas recorrentes, como a vida do camponês, o trabalho dos agricultores, o campo de centeio, cenas mitológicas (ver fotos abaixo). Detalhe curioso: o diretor de fotografia inicial do filme Geoffrey Unsworth morreu no início das filmagens, deixando, no entanto, muitas cenas prontas. Ele foi substituído por Ghislain Cloquet. É possível, por isso, reconhecer dois momentos diferentes da fotografia. A magistral fotografia do longa-metragem, por sinal, foi premiada com o Oscar, assim como a direção de arte e o figurino do filme, igualmente fantásticos. A bela trilha sonora de Philippe Sarde é essencial para o filme. 

Natassja Kinski me lembra a maravilhosa Ingrid Bergman em Tess. Este é o maior elogio que posso lhe fazer. A atuação da jovem é impressionante, apesar da falta de experiência da atriz na época. Ela está em 90% das cenas do filme e, de certa forma, ela é o filme. Talvez a atriz nunca tenha conseguido superar essa performance tão icônica. Já Peter Firth me lembra James Dean. Além de uma semelhança física (será que ninguém nunca fez essa associação?), parece que Firth se inspirou nos personagens do ator de Juventude Transviada para compor Angel. É inevitável não reconhecer a amargura e angustia de James Dean na atuação de Firth. Fechando o triângulo amoroso, temos Leigh Lawson que confere ambigüidade a Alec. Nunca sabemos ao certo o quão mau ele é, ou o quanto ele realmente gosta de Tess, o que o torna extremamente interessante e perigoso.

Tess é um belíssimo filme que nos oferece diversas possibilidades de análise. É impossível esgotar em apenas um post tudo o que o longa pode nos suscitar. Infelizmente, esta obra de Polanski é pouco lembrada, em comparação a outros clássicos mais populares do diretor. O cineasta, que lançará, este ano, seu trigésimo filme, Carnage (2011), é um dos grandes diretores vivos do cinema e em Tess ele nos comprova isso a cada cena.  

Tess: o retrato de uma camponesa

Uma das cenas antológicas do filme: Alec oferece morango a Tess. 

A bela fotografia do filme nos faz lembras obras clássicas de Monet, por exemplo.


Os camponeses - cena do filme

O almoço dos camponeses - cena do filme

A dança das virgens - cena do filme

A descoberta do amor - uma das cenas mais românticas do filme





4 comentários:

  1. Olá Leo,
    ainda não assisti ao filme e confesso que nunca tinha ouvido falar. Após ler a sua crítica, fiquei realmente muito interessado e vou procurá-lo para assistir o quanto antes.
    Parabéns pelo texto, pela forma com que você escreve e fundamenta tão bem os seus textos.
    Ficou incrível!

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  2. Vou conferir, valeu a dica; já tinha ouvido falar mas caíra no esquecimento, soterrado na poeira das antigas memórias...

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  3. Difícil é achar! Desde quinta-feira que procuro

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