quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

A Sangue Frio - 1967

Título original: In Cold Blood
Lançamento: 1967 
País: EUA
Direção: Richard Brooks
Atores: Robert Blake, Scott Wilson, John Forsythe, Paul Stewart.
Duração: 134 min 
Gênero: Policial

"Achei o Sr. Clutter un sujeito muito bacana. Achei isso até o momento em que cortei a garganta dele." 

Perry (Robert Blake) e Dick (Scott Wilson)


Perry Smith. Assassino. Nascido em 1928. Morto por enforcamento em 1965, aos 36 anos. Metade irlandês, metade índio. Três irmãos. Dois deles cometeram suicídio. A mãe, alcoólatra, morreu quando ele tinha 13 anos. Sofreu violência doméstica enquanto viveu com o pai. Passou por mais de um orfanato. Serviu na Guerra da Coréia. Desde um grave acidente até o fim da vida, sofreu severas dores nas pernas. Manco. Viciado em aspirina. Apesar de ter cursado apenas até a terceira série, tinha um grande interesse por arte. Escrevia poemas e desenhava. Assumiu ter matado os quatro membros da família Clutter: a mãe, o pai, o filho e a filha. Motivo: roubo. Quantia obtida: 40 dólares. Seu parceiro de crime: Dick Hickock (também enforcado em 1965). Fortes indícios revelam que Perry manteve um relacionamento amoroso com o escritor Truman Capote, após a prisão do assassino. Perry Smith: uma tragédia anunciada; uma vida cinematográfica. 

O brutal assassinato da família Clutter despertou o interesse do escritor Truman Capote que, a partir de dados da investigação da polícia, de sua própria investigação e de entrevistas com os assassinos, escreveu o romance A Sangue Frio, publicado em 1966. A obra de Capote é pioneira do romance de não-ficção. Um ano após a publicação do livro, foi lançado o filme, de mesmo nome, dirigido por Richard Brooks, adaptação fiel do romance. Dois outros filmes sobre o assunto foram produzidos, assim como uma minissérie. 

O diretor e roteirista Richard Brooks tem no currículo os clássicos Gata em Teto de Zinco Quente (1958) e Entre Deus e o Pecado (1960). Sua adaptação para o romance de Capote é sua obra-prima, seu maior legado para o cinema. Brooks se apropria de uma obra revolucionária da literatura americana, que relata um assassinato que chocou os Estados Unidos, uma ferida ainda não cicatrizada na época, e realiza um filme que desafia a categorização em gêneros. A Sangue Frio é um drama psicológico, um thriller angustiante, um filme policial, um road movie, um filme de terror, um drama de tribunal, que ainda conta com ares de filme noir.

O longa-metragem acompanha a dupla de assassinos desde o planejamento do crime até a execução dos mesmos em 1965. O trajeto de fuga dos protagonistas é intercalado com a investigação da polícia, liderada pelo detetive Alvin Dewey (John Forsythe) e com alguns flashbacks, sendo o mais importante aquele que revela os detalhes do crime. Assim como ocorre no livro, existe um interesse mais acentuado por Perry Smith (Robert Blake) do que pelo seu parceiro Dick Hicock (Scott Wilson). 

Brooks acerta ao dar a Smith, um caráter complexo. O diretor/roteirista pinta o personagem como um homem perturbado pelo passado, atormentado pelos traumas de infância. Em alguns momentos, o personagem se aproxima da figura do louco, em outros, ele se comporta como uma criança ingênua. No entanto, não são criadas justificativas para os atos de Perry. Ele pode ser fruto de uma infância problemática, mas é plenamente consciente de seus atos, sendo capaz de refletir sobre sua própria história e sobre o crime. Não há como negar o instinto assassino do personagem, capaz, no entanto, de ações nobres como a de evitar que Dick estupre a filha Clutter, pouco antes de assassiná-la ele mesmo. Ambíguo, Perry Smith pode ser definido como um doce monstro. Não é de se espantar que o público crie uma empatia com o personagem. E, chocado, o espectador pode perceber que torce por ele.

Cena do filme: a captura dos assassinos

A afetividade encontrada na caracterização de Perry, não é vista em Dick, que não deixa de ser um personagem extremamente interessante. Charmoso, falso, irresponsável, insensível e ambicioso, Dick é um sujeito que, aparentemente, não é dotado de culpa e que tem grande facilidade em mentir. Ao contrário de Perry, não existe nenhum trauma que explique o comportamento do personagem e suas motivações são reduzidas ao desejo de enriquecimento fácil. É interessante notar a maneira com a qual a relação de Perry e Dick é retratada. Existe uma homoafetividade explícita na maneira com a qual os dois se relacionam. A questão da sexualidade é, por sinal, algo que é mostrado de maneira muito sutil pelo filme, mas que não deixa de ser um elemento importante na construção dos personagens. Dick é um homem extremamente sexualizado, que tem um interesse particular por adolescentes. Já para Perry, o sexo parece ser uma questão muito mais complicada, algo muito mal resolvido em sua vida. 

O brilhantismo do filme não se concentra, no entanto, apenas na construção dos personagens. Com o auxílio de uma belíssima fotografia em preto-e-branco, Richard Brooks cria uma aura de suspense e de tensão que muito se aproxima do cinema noir. A fantástica utilização do contraste entre luz e sombra, parece representar a própria dualidade do protagonista, como nos planos em que o rosto do personagem encontra-se metade iluminado e metade na escuridão. A própria maneira com a qual o Perry Smith nos é apresentada (através de suas botas), nos remete àquelas dos vilões dos clássicos O terceiro homem (1949) e O mensageiro do Diabo (1955). Além disso, Brooks nos presenteia com cenas de um lirismo e sensibilidade únicos, como aquela em que o reflexo da chuva na janela parece formar lágrimas no rosto de Perry. A escolha de filmar nos locais onde a história efetivamente se passou, como na casa onde o crime foi cometido, confere à produção um realismo mórbido.

Somando-se à elegância e ao lirismo da direção Brooks, temos as ótimas performances da dupla de atores principal, assim como a de todos os atores secundários. Destaque deve ser feito a Robert Blake que, em seu maior momento no cinema, nos oferece uma atuação inesquecível. Detalhe curioso é que o ator, popularizado pelo seu trabalho na televisão americana, na série Baretta, foi acusado de assassinar sua mulher em 2005. Após um julgamento polêmico, ele foi absolvido. 

A Sangue Frio discute até onde existe uma justificativa para os atos violentos cometidos pelo ser humano. Será que a maldade precisa de uma razão para ser liberada? Como é possível que pessoas sãs possam cometer atos insanos? A Sangue Frio é uma obra-prima do cinema que faz jus ao magnífico romance de Truman Capote e que merece ser relembrada.


Perry Smith (Robert Blake) na bela cena final do filme




5 comentários:

  1. Uma obra excelente, com ótimas atuações e um ótimo andamento. O maior trunfo dele pra mim foi algo que você citou: a torcida do espectador pelo assassino, pelo psicopata, pelo perturbado Perry, que acaba sendo motivo de pena até depois da sessão e não de ódio.
    Abraços!

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  2. Genial Capote... seu melhor livro... Obrogado por me fazer lembrar!!!! Um lindo Ano! Que 2012 seja um ano de colheitas!!!!!!!! Ricardo

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  3. Grande Alexander, Como Vai?
    Ótimo texto, valeu a dica, eu não conhecia o filme mas parece ser realmente muito interessante,despertou minha vontade de ver...

    Aguardo sua visita em meu Blog, Vosso comentário é sempre importante, abração, té mais

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  4. Li e gostei muito, Capote soube captar as nuances dessa trágica historia.

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  5. Olá,
    Belo blog!
    Este é um dos meus preferidos, apesar da densidade da história.
    Marcou para sempre a vida de Capote.
    Estou te seguindo geral.
    Espero te ver no Travessia.
    Um abraço e parabéns.

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