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quinta-feira, 31 de maio de 2012

Cosmopolis - 2012

Título Original: Cosmopolis
Lançamento: 2012
País: Canadá
Direção: David Cronenberg
Atores: Robert PattinsonSamantha Morton, Jay Baruchel, Paul Giamatti, Sarah Gadon
Duração: 108 min
Gênero: Drama
Previsão de estreia no Brasil: 13 de julho

"Minha próstata é assimétrica!"

Cena de Cosmopolis
O diretor canadense David Cronenberg e o astro Robert Pattinson compareceram à première de Cosmopolis em Paris, ao som de centenas de fãs enlouquecidas do fenômeno teen que despontou na saga CrepúsculoCosmopolis, que já havia estreado em Cannes na semana passada, não vem recebendo críticas positivas. Ao contrário, as revistas The Guardian The Hollywood Reporter, por exemplo, se mostraram bastante avessas à nova empreitada de Cronenberg. O longa-metragem é uma adaptação do romance homônimo do escritor americano Don DeLillo, publicado em 2003. Cronenberg é também o responsável pela adaptação da história e assina sozinho o roteiro do filme. Na entrevista pré-projeção, o diretor brincou que o filme era muito engraçado e que as pessoas deveriam rir. Até a metade do filme, nenhuma risada foi ouvida na gigantesca sala Grand Rex. 

Cosmopolis conta um dia na vida de Eric Packer (Robert Pattinson). O multibilionário de 28 anos circula por Manhattan em sua limosine. Seu objetivo é simples: ir a um salão mudar o corte de cabelo. No entanto, várias pessoas cruzam o seu caminho. Tais encontros se dão quase sempre em sua limosine, cenário principal do filme. É nela que ele encontra sua consultora de arte (rápida participação de Juliette Binoche), sua consultora financeira (Samantha Morton), seu médico, seus assistentes, entre outros. O dia de Eric é perturbado pela confusão do mercado financeiro, pela visita do presidente americano, por protestos na rua, pela morte de um cantor de rap e por uma séria ameaça à vida do protagonista. Acompanhado sempre pelo seu chefe de segurança (Kevin Durand), o moço ainda tem que lidar com sua distante e evasiva noiva (Sarah Gadon) que se recusa a ir para a cama com ele. 

Cosmopolis é um filme centrado no diálogo, o que faz com que ele tenha uma forte "pegada" teatral. Na verdade, o sentido de diálogo deve ser nuançado nesse caso, já que muitas vezes os personagens se lançam a conversações sem sentido. Sem dúvida a questão da comunicação é posta à prova, afinal vemos diversos personagens verborrágicos que não conseguem comunicar uma informação com clareza ou com objetividade. Ao contrário, eles se envolvem em divagações pseudo-filosóficas, mercadológicas, existenciais, que conseguem ser paradoxalmente coerentes e absurdas. O filme é ambientado em um universo aparentemente apocalíptico, em que ratos são moedas e valem mais do que o euro. Ao mesmo tempo, existe algo extremamente atual no enredo e os protestos vistos na trama, nos lembram o recente movimento Occupy Wall Street

Sob sua aparente insanidade, o filme toca temas muito importantes como a disparidade social, o individualismo, a invasão da tecnologia em todos os âmbitos da vida humana, a insensibilidade do homem face à dor alheia, o poder do capitalismo, a erupção da violência no quotidiano, entre outros. O protagonista é um jovem que usa sua limosine como uma bolha que o protege do mundo, algo que sinaliza sua riqueza e que o separa dos simples mortais. Eric, acostumado a ter tudo o que quer, tenta comprar o que não pode ter como um monumento histórico. Atormentado pelas coisas que ele não pode controlar, como as altas e baixas do mercado financeiro, a morte de um ídolo, sua própria saúde, as vontades da noiva, o jovem começa a se confrontar com o vazio de sua existência e se lança a um caminho de autodestruição. 

Cronenberg utiliza reiteradamente a ferramenta do campo/contracampo, o que introduz dinamismo e certo desconforto às conversações. O diretor também aposta em uma profusão de planos fechados e closes (que reduzem a sensação de amplitude do ambiente), e esses recursos, aliados ao espaço estreito e limitado da limosine, conferem um caráter claustrofóbico à narrativa. O ritmo e o conceito do filme com certeza encontrarão espectadores bastante resistentes que, ansiosos pela ação, deixarão de apreciar o humor sutil e sagaz de cada fala. Cronenberg não mentiu, o filme, de fato, é engraçado. Mas não se engane, não é o tipo de humor que lhe fará dar gargalhadas. É um tipo de humor que faz você reconhecer a ironia fina e inteligente por trás de cada réplica, dita às vezes seriamente ou com grandiloquência. 

O elenco é encabeçado pelo onipresente Robert Pattinson que, sob a direção de Cronenberg, consegue esconder suas limitações e nos oferece, provavelmente, a melhor performance da sua carreira. Obviamente, a ligeira falta de expressão do ator cai como uma luva ao personagem, que tem algo de mecânico. Mas o ator também tem seus méritos e confere certa espessura dramática ao personagem. Em meio às diversas participações especiais vistas no filme, destacam-se a de Samantha Morton, que é sempre magnética e interessante em cena e um fenomenal Paul Giamatti, que dá vida e energia à trama, que tende a ser monocórdica. 

Não dá para se esperar um filme convencional de David Cronenberg. Cosmópolis é, no entanto, um dos filmes menos acessíveis e mais estranhos do diretor. Cronenberg afirmou, na entrevista dada antes da projeção, que não realizou o filme para ser um sucesso de bilheteria. E não será. Dificilmente ficamos indiferentes a Cosmópolis, ele é do tipo ame-o ou odeie-o. Pelo visto, mais odeie-o do que ame-o. Só para constar, eu adorei. 

A sessão especial de Cosmopolis aconteceu ontem, dia 30, no Grand Rex de Paris.

Assista ao trailer:


quarta-feira, 4 de abril de 2012

Um Método Perigoso - 2011

Título original: A dangerous method
Lançamento: 2011
País: EUA
Diretor: David Cronenberg
Atores: Michael FassbenderKeira Knightley, Viggo Mortensen e Vincent Cassel
Duração: 99 min 
Gênero: Drama

Michael Fassbender e Viggo Mortensen interpretam Jung e Freud, respectivamente.
David Cronenberg é indubitavelmente um dos cineastas mais instigantes da atualidade. Muitos dos seus filmes mais conhecidos são associados a um gênero em particular, a ficção científica, como o jovem clássico A Mosca (1986) e os cults Scanners (1981) e eXistenZ (1999). O diretor canadense conseguiu, no entanto, expandir sua obra para outros gêneros como, por exemplo, o drama, com Spider (2002), e o thriller, com Marcas da Violência (2005), sem, no entanto, deixar de lado seu interesse pelo caos, pela dimensão psicanalítica de seus personagens e por narrativas audaciosas e perturbadoras. Cronenberg é, provavelmente, o cineasta mais kafkaniano de que temos notícia. Não chega a surpreender o interesse do diretor em realizar um filme sobre dois dos maiores ícones da psicanálise: Sigmund Freud, o fundador do método, e Carl Jung, um discípulo contestador. Um Método Perigoso (2011), o filme em questão, foi roteirizado pelo roteirista/dramaturgo Christopher Hampton, de Ligações Perigosas (1988) e Desejo e Reparação (2007). O filme é a adaptação da peça The Talking Cure (também de Hampton), que, por sua vez, é baseada no livro A Most Dangerous Method do escritor americano John Kerr. 

Um Método Perigoso retrata dois encontros extremamente importantes no mundo da psicanálise. O primeiro deles é aquele entre Jung e sua célebre paciente, Sabina Spielrein, que viria a se tornar, posteriormente, uma das primeiras psicanalistas mulheres da história. Hampton e Cronenberg acertadamente optaram por focalizar não apenas a relação amorosa do casal, mas também a fecunda e intensa relação intelectual que se estabeleceu entre os dois, assim como a influência que o pensamento de um teve sobre trabalho do outro. A outra relação abordada pelo filme não é menos interessante. Um Método Perigoso pinta o nascimento da amizade entre Freud e Jung, o gradual distanciamento dos dois e a ruptura final. Não é difícil perceber que o filme reforça a imagem paternal de Freud com a relação a Jung e a necessidade deste de sair da sombra do grande mestre. 

O filme se estrutura em duas partes facilmente identificáveis. Na primeira metade do longa-metragem, temos um destaque maior para a relação Sabina x Jung. Na segunda, a trama se concentra na relação Jung x Freud. Jung é, portanto, a figura central do filme, ao redor da qual pivotam os outros personagens, inclusive o interessante Dr. Otto Gross. O ponto de vista do protagonista é aquele que predomina no filme e poderíamos conceber outras narrativas sob a perspectiva de Freud e Sabina. Uma das maiores qualidades do roteiro de Hampton é o de fazer com que todas as teorias em jogo, nas discussões intelectuais dos personagens, sejam facilmente digeridas pelo espectador leigo, o que faz do filme uma boa introdução ao estudo da psicanálise e da oposição entre a visão de Freud e de Jung. No entanto, se por um lado o ditatismo da abordagem de Hampton possibilita que a história seja acessível a todos, ela contribui para o que é, a meu ver, o maior pecadilho do filme: o excesso de racionalismo.

Há algo de extremamente racional e frio na narrativa de Um Método Perigoso. As ideias dos personagens parecem mais convincentes e interessantes que seus próprios sentimentos, fenômeno que acaba por criar um distanciamento entre o espectador e os protagonistas. Por exemplo, a relação entre Sabina e Jung e até mesmo a atração sexual entre dois personagens não soam verdadeiramente intensos ou viscerais. Trocando em miúdos, o filme parece ser calcado muito mais no aspecto racional de seus personagens e falha em dar a dimensão necessária à vida emocional deles. A performance dos atores talvez contribua para essa lacuna emocional. O sempre interessante Michael Fassbender compõe um personagem que se destaca pela sua rigidez corpórea. Por mais que esteja torturado por diversos conflitos, o ator mantém a compostura de um intelectual burguês bem nascido e educado.

Já a performance de Keira Knightley talvez represente um dos pontos mais fracos do filme. A atriz se esforça, no início da trama, para dar corpo e voz a uma personagem histérica, mas, infelizmente, a construção da sua performance fica nítida, nos mostrando uma atuação muito estudada e artificial. O maior desafio ao se interpretar personagens desequilibrados ou loucos é o de fugir da simples caricatura e do exagero e fazer algo orgânico e verossímil. Infelizmente, Knightley acabou revelando suas limitações como atriz, nos mostrando, ao mesmo tempo, uma entrega e um esforço admiráveis. Outro problema é que a personagem se metamorfoseia ao longo do filme, perdendo, quase de uma hora para outra, o seu tom histérico. Mais bem sucedido são Viggo Mortensen e Vicent Cassel. O primeiro faz de Freud uma figura extremamente interessante e sedutora. O segundo tem uma pequena participação, onde rouba a cena, dando um verdadeiro show. Seu personagem, um "anjo do mal", talvez se destaque justamente por trazer um pouco de subversão à trama. 

Em Um Método Perigoso, Cronenberg se reinventa, investindo em um gênero que não é comum em sua filmografia: a cinebiografia. O diretor aposta bastante nos closes, optando pela alternância ritmada de planos sobre os rostos dos personagens. Como o filme é basicamente baseado em conversações, a ferramenta do campo contracampo introduz dinamismo e, por vezes, tensão às discussões. Outra escolha do diretor é a de mostrar, em diversos momentos, dois personagens, um no primeiro plano e outro no segundo, com grande profundidade de campo (ambos nítidos). Tal procedimento permite unir dois personagens no mesmo quadro, criando uma impressão proximidade entre eles. Este recurso é utilizado sobretudo com Sabine e Jung, nas sessões de terapia. É interessante observar que, na cena final do filme, os personagens já não são mostrados dessa forma, evidenciando o rompimento definitivo entre eles. O diretor ainda mostra, de maneira extremamente sutil, as diversas inversões de papéis entre os personagens que ocorrem no filme, de analista a analisado. O filme ainda conta com uma bela fotografia que explora os tons pastéis e claros. É pertinente apontar como o universo de Freud é  escuro, enquanto o de Jung é  iluminado. Cronenberg não deixa de explorar as diferenças entre os dois personagens: classe social, cultura, raça, background, ideologia, etc. 

Em Um Método Perigoso, David Cronenberg mais uma vez demonstra um grande fascínio pelo ser humano e pelo seu universo interior, dando especial atenção às neuroses de seus personagens. O caráter racional e frio do longa-metragem é algo intencional, uma abordagem que talvez faça do filme uma experiência menos envolvente. Embora seja um filme menor de Cronenberg e, mesmo que falte ingredientes para que seja excepcional, Um Método Perigoso representa um cinema de qualidade, com a assinatura de um cineasta sempre relevante. 

Assista ao trailer: