quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

A Salvo - 1995

Título Original: Safe
Lançamento: 1995
País: EUA
Diretor: Todd Haynes
Atores: Julianne MooreXander Berkeley, Dean Norris, Peter Friedman, James LeGros.
Duração: 119 min
Gênero: Drama

Julianne Moore protagoniza Safe

O primeiro filme de Todd Haynes foi um curta-metragem de 1985, inspirado no poeta francês Arthur Rimbaud. Desde então, o diretor realizou cinco longas-metragens, dentre eles Poison (1991)Velvet Goldmine (1998), Longe do Paraíso (2002) e Não estou lá (2007). Mesmo optando por manter certa distância do mainstream e do cinema comercial, os filmes de Haynes nunca passaram despercebidos pela crítica. Apesar de ser assumidamente homossexual e de ser muitas vezes associado ao movimento New Queer Cinema, o diretor sempre evitou rótulos para a sua obra, sendo considerado um dos nomes mais importantes do cinema independente americano. A Salvo (1995) é o segundo longa-metragem do diretor, que também assina o  roteiro. O filme é protagonizado por Julianne Moore, com quem Haynes voltaria a trabalhar em Longe do Paraíso, pelo qual ambos concorreram ao Oscar (ele como roteirista, ela como atriz principal). 

O filme conta a história de Carol White, uma dona-de-casa que leva uma vida bastante confortável com seu marido e enteado no sul da Califórnia. A rotina de Carol consiste em fazer ginástica, encontrar suas amigas ricas e fúteis e supervisionar a nova decoração de sua mansão. No entanto, algo começa a perturbar a vida da dona-de-casa. Ela começa a sentir dores, enjoos, sofrer de insônia, ter problemas de respiração, além de tosses convulsivas. Todos os exames indicam que a saúde de Carol é perfeita, fazendo com que esses sintomas pareçam ainda mais estranhos e quase inexplicáveis. Certo dia, a personagem entra em contato com um grupo de pessoas que acreditam terem a saúde debilitada devido ao acúmulo de substâncias químicas  no meio ambiente. Carol acaba por se convencer que sofre também de sensibilidade a químicos, transformando completamente a sua vida e se isolando da sociedade. 

A Salvo é um filme incômodo e perturbador. O brilhantismo do roteiro de Haynes é o de abrir as portas a várias leituras e interpretações. O diretor-roteirista parece retratar no filme o mal-estar da civilização e a confusão existencial do homem pós-moderno. Carol White é o símbolo do indivíduo desajustado, perdido, aterrorizado pela profusão de informações e engolido pelo medo. O cotidiano da protagonista é invadido por todo tipo de notícias relacionadas à morte, a doenças e a outros perigos mil. A personagem acaba por desenvolver um tipo de hipocondria existencial, não podendo mais viver a mercê dos perigos da vida em sociedade. De natureza psicossomática ou não, os sintomas desenvolvidos por Carol acabam por revelar sua inaptidão em manter um determinado estilo de vida. 

Haynes nos dá algumas pistas para tentar compreender a natureza de Carol. A dona-de-casa impressiona pela sua extrema fragilidade, algo que fica nítido na fantástica composição de Julianne Moore. A voz delicada e sem força da personagem, denuncia sua personalidade passiva, sem vida, quase desinteressante. Em uma das primeiras cenas do filme, assistimos a uma cena de sexo, em que a protagonista fica completamente a mercê do marido, como se estivesse anestesiada, apenas cumprindo uma missão imposta pelo casamento. Sem vontades, sem voz e sem lugar no mundo, Carol parece carregar um vazio emocional profundo e podemos formular a hipótese de que sua "doença" seja, de fato, uma alergia a si mesma. Sua crise pode muito bem estar ligada a um grave problema de auto-estima, a uma absoluta falta de amor a si mesma, ou ao que ela se tornou. É interessante perceber que, em determinada cena, a personagem se vê incapaz de se lembrar da própria infância, como se ela simplesmente não houvesse existido. O isolamento de Carol talvez revele uma necessidade de autoconhecimento e de descoberta de sua individualidade. 

O mal-estar físico de Carol também pode ser visto como um alarme de segurança, um desejo de autoconservação. O spa onde se isola a dona-de-casa é um esconderijo contra os males que afligem o mundo. Não por acaso, na época do lançamento do filme, muitos o consideraram como uma metáfora da propagação da AIDS. O filme reflete uma paranoia generalizada e um desejo de purificação. Haynes não se abstém de mostrar a ironia que consiste em se deixar de viver (isolando-se do mundo), para, justamente, se viver mais. Certamente, o mundo real nos parece, por vezes, inóspito e insalubre, mas será que não é justamente o medo a maior doença do século XXI? A vida do homem pós-moderno é dominada por diversos temores: temos medo da violência, da morte, da destruição ambiental, do terrorismo, dos fenômenos ambientais, da pobreza, do desemprego, etc. A Salvo funciona, portanto, como uma fábula sobre o poder avassalador do medo. 

A direção de Todd Haynes acentua o caráter perturbador da história. O cineasta se interessa, por exemplo, ao que podemos chamar de tempos vazios, instantes que não correspondem a acontecimentos. Ao focalizar os momentos mais ordinários da existência de Carol, o diretor chama atenção para a superficialidade da vida da personagem. O diretor ainda dá preferência a longos planos médios e fixos e a uma montagem que confere um ritmo lento à narrativa, escolhas que vão de encontro à sensação de incômodo provocada pela trama. Ao final do filme, Haynes passa a inserir também grandes planos de paisagem que ilustram o retorno da personagem à natureza e seu isolamento. A trilha sonora de A Salvo é típica de um filme de suspense, sendo fundamental para a construção de uma atmosfera tensa e angustiante. Por fim, a atuação de Julianne Moore é uma pequena obra-prima e a atriz, além de dar vida ao mal-estar existencial (e físico) de Carol, compõe uma personagem que parece ser uma folha em branco ou talvez um papel de seda. 

A Salvo não é está entre os filmes mais conhecidos e celebrados da filmografia de Todd Haynes, cineasta também pouco conhecido do grande público. O filme merece, portanto, ser descoberto e admirado pela sua capacidade de sintetizar sentimentos que fazem parte do nosso mundo atual, revelando a fragilidade do homem e sua inaptidão a viver em sociedade. 

Assista à abertura do filme:


3 comentários:

  1. Bacana vc resgatar filmes dos anos 90. Adorei a crítica!

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  2. A Julianne Moore tem alguns filmes bons nesta fase da carreira. Vou rever.
    Belo texto.

    Abraço.

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  3. Haynes é sempre muito bom. Esse filme é estranho, mas vale a pena.

    O Falcão Maltês

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