quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A Separação - 2011

Título original: Jodaeiye Nader az Simin
Lançamento: 2011 
País: Irã
Direção: Asghar Farhadi
Atores: Peyman Moaadi, Leila Hatami, Sareh Bayat, Shahab Hosseini.
Duração: 123 min
Gênero: Drama

Simin (Leila Hatami) e Nader (Peyman Moaadi)

É mágico quando um cineasta consegue captar em sua obra as incongruências e contradições humanas. É o que faz o iraniano Asghar Farhadi em seu belíssimo filme A Separação. Mas ele faz muito mais do que isso. O diretor e roteirista retrata, de uma maneira rara no cinema, o doloroso processo da separação de um casal. A intriga principal pode até parecer outra, mas o que assistimos, na verdade, é o esfacelamento de uma família, o desligamento gradual de duas pessoas que se amam, mas que não podem mais viver juntas. E mais: o filme mostra ainda o lugar da criança, do filho, a terceira e talvez mais frágil vítima da separação. Com tudo isso, Asghar Farhadi faz um dos melhores filmes do ano, candidato iraniano a uma  das cinco vagas na categoria de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar. 

Em A Separação, Simin (Leila Hatami) pede o divórcio ao marido, Nader (Peyman Moaadi), por ele se recusar a deixar o Irã e começar uma nova vida no exterior, junto com a filha, Termeh (Sarina Farhadi). Nader se justifica dizendo que não poderia deixar para trás o pai, que sofre de mal de Alzheimer. No entanto, ele não se opõe à partida da esposa, concedendo facilmente o divórcio, não permitindo, entretanto, que a mesma leve a filha. Simin não viaja, mas sai de casa e Nader e Termeh têm que se adaptar a uma nova realidade. Para cuidar do pai doente, Nader contrata Razieh (Sareh Bayat). Certo dia, Nader chega em casa e encontra seu pai caido no chão, com o braço amarrado na cama. Quando Razieh retorna, Nader é agressivo com ela e a põe pra fora do apartamento a força. Após sofrer um aborto que seria consequência da agressão, Razieh e seu intempestivo marido, Hodjat (Shahab Hosseini), prestam queixa contra Nader, virando a vida dele e de sua família de cabeça para baixo. 

O brilhante roteiro de Fahardi mostra o choque de duas famílias em crise. Simim, Nader e Termeh devem lidar com a nova configuração de suas vidas após o divórcio. Já Reziah e Hodja atravessam uma grave crise financeira, causa e consequência da instabilidade emocional deste último. Não existem bandidos, ou mocinhos, nem bons e ruins. Boas intenções também podem trazer o mal. Nenhum personagem é unidimensional, nenhum personagem pode ser rotulado. Assim, o filme reúne indivíduos que não podem se comunicar, que não podem se compreender, separados por um abismo. Eles se confrontam por egoísmo, por falta de compreensão, mas não por falta de humanidade. Os personagens de A Separação são imensamente humanos, imperfeitos, falhos, capazes dos maiores atos de bondade e de mesquinharia. 

Fahardi opta por uma câmera inquieta e viva que confere um realismo desconfortável às cenas. Por vezes, sentimos que estamos diante de um documentário, tamanho efeito de realismo promovido pelo diretor. A abordagem sensível e, ao mesmo tempo, a forma crua com que Fahardi pinta certas situações, como as cenas que se passam na delegacia, é uma combinação que se revela brilhante. A transformação da relação de Simin e Nader é metaforizada pelo primeiro e pelo último planos do longa-metragem. A primeira sequência mostra o casal diante do juiz e lança o contexto do filme. Apesar de estarem pedindo o divórcio, os dois personagens  encontram-se no mesmo recinto, lado a lado. Ainda há esperança, ainda há diálogo e comunicação. No último plano, os personagens já se encontram separados e em lados opostos do tela, em completo silêncio. É a ruptura total.

O elenco do filme é uma preciosidade. A começar por Peyman Moaadi que confere ao protagonista uma complexidade ímpar (este é apenas o segundo longa-metragem do ator). Nader é um personagem dúbio, suas atitudes são questionáveis, ele se revela por vezes fraco e covarde, outras vezes sua conduta é admirável. É belíssima a forma com a qual a relação dele com o pai (Ali-Asghar Shahbazi) e com a filha é retratada. E por falar em Termeh, sua intérprete, a jovem Sarina Farhadi, filha do diretor, oferece uma das melhores performances do filme. A atriz atua com a sensibilidade de uma veterana. Difícil não se comover com a performance de Sarina. Já a belíssima Leila Hatami, confere humanidade a uma personagem que poderia ser vista como a grande egoísta da trama. Simin vive a dor da rejeição do marido, que permitiu que ela se fosse. Sareh Bayat dá um show em cada cena, seu olhar é carregado de dor, de cansaço e de sofrimento. Por fim, Shahab Hosseini interpreta brilhantemente o instável, depressivo e perigoso Hodjat, conseguindo a proeza de não cair na caricatura do vilão. Se justiça houvesse, muitos desses atores maravilhosos seriam lembrados no Oscar, mas por se tratar de um filme não-americano as chances são quase nulas.

A Separação é um filme relevante, comovente e surpreendente. Esse belo drama familiar revela o olhar sensível, crítico e apaixonado de um cineasta fascinante sobre o ser humano e sobre as relações humanas. Não deixe de ver essa pérola do cinema iraniano!


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