quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O Labirinto do Fauno (2006) e a Cena do Dia

Título original: El Laberinto del Fauno 
Lançamento: 2006 
País: México, Espanha, EUA
Direção: Guillermo del Toro
Atores: Ivana Baquero, Doug Jones, Sergi López, Ariadna Gil, Maribel Verdú
Duração: 112 min
Gênero: Ficção


Guillermo Del Toro é um diretor, produtor e roteirista mexicano, de 47 anos, que tem no currículo sete longas-metragens, entre eles, Hellboy (2004), Hellboy II (2008) e Blade II - O caça-vampiros (2002). Seu filme mais famoso e mais aclamado pela crítica é O Labirinto do Fauno. Este longa de 2006 é o homenageado da semana no Clube do Filme. A seguir faremos uma análise, que abordará alguns elementos da obra (não  aconselhável para quem ainda não teve o prazer de assisti-la). 

O Labirinto do Fauno é construído a partir de dois fios narrativos. O primeiro é um conto de fadas, a história de uma jovem princesa do mundo subterrâneo que se encontra perdida no mundo dos mortais. Já o segundo retrata um período importante da História (com "h" maiúsculo) da Espanha, mais especificamente, a resistência dos rebeldes no início do regime fascista de Franco. As duas histórias produzem dois universos ficcionais bem distintos. O que é permitido em uma, não o é na outra. Enquanto uma é o espaço da fantasia e da magia, a outra é uma crônica realista de um passado histórico não muito distante. O brilhantismo de Guilherme del Toro consiste justamente em lidar de uma maneira orgânica e fluida com a fantasia e a História.

Talvez seja temerário utilizar as palavras "real" e "ficção" para distinguir as duas intrigas que se desenvolvem no filme. Uma é tão real ou "absurda" quanto a outra. E mais: o que ocorre em uma tem consequências concretas na outra. Esse diálogo constante entre as tramas pode ser exemplificado através de vários elementos do longa, como a mandrágora que o Fauno (figura mágica) oferece para diminuir o sofrimento da mãe de Ofélia (mortal); ou o giz (objeto mágico) também dado pelo Fauno e que é utilizado por Ofélia para fugir do cárcere imposto pelo Capitão Vidal (mortal) em determinado momento do filme; para não mencionar o final, o momento máximo de encontro entre as histórias. Portanto, afirmar categoricamente que o conto de fadas só existe na cabeça de Ofélia é ignorar a própria estrutura do filme. O mundo do conto de fadas nos é apresentado como sendo verdadeiro, mas acessível somente por Ofélia e as fadas (criaturas da natureza). O próprio fato de a protagonista ser uma princesa imortal que se afastou das raízes, se "naturalizando" humana, faz com que ela seja a única personagem capaz de transitar perfeitamente entre as duas realidades. 

O filme, no entanto, nos dá pistas que permitem uma análise mais "psicológica". Ofélia encontra-se em uma idade de transição da infância para a adolescência, em que parte de seu mundo infantil deve ser deixado para trás. Toda transição implica, de certa forma, uma morte simbólica. Ofélia não quer deixar de ser criança, o universo adulto revela-se extremamente hostil para ela. Além disso, ela deve enfrentar o casamento da mãe com um outro homem, com todas as mudanças que essa situação impõe. Em determinada cena do filme, a menina faz o que toda criança faria: chora e diz para mãe que quer ir embora. O mundo do conto de fadas é utilizado, portanto, como refúgio do mundo real e prolongamento da infância. Não devemos também nos esquecer que Ofélia tem um pouco de Don Quixote, afinal ela também foi "contaminada" pela leitura. De tanto ler, ela pode muito bem ter recriado outro mundo, que, portanto, não deixa de ser real para ela. Não é difícil encontrar também semelhanças entre Ofélia e a protagonista de Alice no País das Maravilhas, personagem apaixonada por contos e que também se aventura em outro mundo (a cena da árvore em O Labirinto... parece ser uma referência explícita à obra de Lewis Carroll). 

O mundo de fantasia também é uma clara resposta de Ofélia ao horror da guerra. Mesmo sendo muito jovem, ela tem plena noção da violência a sua volta. A bela história que ela conta para o irmão, ainda na barriga da mãe, é a prova de que ela compreende, mesmo que intuitivamente, a realidade do seu país. A fábula da rosa cercada de espinhos, parece representar a liberdade subtraída pelo governo fascista. E, nesse sentido, O Labirinto do Fauno não deixa de ser também um filme político, já que denuncia uma forma de governo baseada no puro autoritarismo. Uma das cenas mais belas do filme é justamente aquela em que o médico, que auxiliava os rebeldes, enfrenta o Capitão Vidal e diz: "Obedecer por obedecer, sem questionar, é algo que só pessoas como você fazem, Capitão".

O universo fantástico de Ofélia, no entanto, não é isento de violência, talvez como um reflexo de seu mundo mortal (observe a semelhança entre a mesa do banquete do terrível Homem Pálido e a do jantar do sádico Capitão Vidal). Esse fenômeno não é nenhum absurdo, já que a maioria  dos contos de fadas são recheados de terríveis atos de violência, como o lobo que come a vovozinha; a bruxa que envenena a enteada; a velha malvada que aprisiona uma bela jovem na torre, entre outros. O grotesco, o assustador e a morte também estão presentes no conto de fadas de Ofélia. O que dizer do Fauno? Uma criatura que se revela extremamente ambígua, já que é difícil constatar suas reais intenções. Uma das diferenças mais marcantes entre o conto de fadas e a vida real, e que é explorada pelo filme de forma brilhante, é que a primeira tem quase sempre um final feliz.

O Labirinto do Fauno, além de ser uma obra que suscita diversas discussões e análises, é um filme extremamente bem realizado. Não é por acaso que esta produção mexicana levou 3 Oscar's em categorias técnicas. As premiadas fotografia (Guillermo Navarro), direção de arte (Eugenio Caballero e Pilar Revuelta) e maquiagem (David Martí e Montse Ribé) são fundamentais para o construção desta obra esteticamente espetacular. O trabalho de efeitos visuais e a trilha sonora (Javier Navarrete) são igualmente impressionantes. Del Toro, por sua vez, comprova seu talento como diretor e roteirista, neste que, ao lado de Espinha do Diabo (2001), é o seu melhor filme. 

O elenco de O Labirinto do Fauno é  primoroso, a começar pela jovem e talentosa Ivana Baquero que consegue arrancar muitas lágrimas dos espectadores com sua atuação sensível e emocionante (que olhar!). Já Sergi López é o próprio diabo na pele do Capitão Vidal. Ele consegue construir um personagem sádico, monstruoso, mas que também se revela incrivelmente inteligente e trágico. Outro destaque é para ótima Maribel Verdú, forte e heróica na pele de Mercedes. Elogios também devem ser feitos a Doug Jones que interpreta tanto o Fauno, quanto o asqueroso "homem pálido". 

Por fim, O Labirinto do Fauno nos oferece dois finais: um triste e outro feliz. Esse duplo final de certa forma vai de encontro à lógica do filme, que conta duas histórias. Cabe ao espectador escolher a qual dos dois ele quer se apegar. A meu ver, o fim do filme ainda permite que façamos uma analogia (ainda que rasa) com a Bíblia: Ofélia assim como Jesus Cristo, morre pelos pecados dos outros e ressuscita para uma vida eterna. A sequência final do filme é a nossa Cena do Dia.





2 comentários:

  1. Esse é mesmo um filme fantástico! E o que mais me impressionou foi a transição mesmo que você citou, em que Ofélia se vê obrigada a deixar para trás sua vida de criança e inserida em uma realidade cruel e assustadora. Mas como crianças que somos todos, eternamente, nos é também permitido, ainda que poucas vezes, escapar pelo mundo da fantasia e encontrar outras razões na vida que não só a acidez e violência que se desenha frequentemente em nossas "telas".
    Parabéns pela excelente crítica!

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  2. Esse filme é muito bom! Quando via o trailer achava estranho mas acabei entendendo ele e gostando!.

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