quarta-feira, 18 de maio de 2011

Ligações perigosas - 1988

John Malkovich como o sedutor Visconde de Valmont
O romance epistolar, As ligações perigosas, foi adaptado para o cinema e para a televisão por diversas vezes. Escrito pelo francês Choderlos de Laclos e publicado em 1782, esta obra é um clássico da literatura mundial e um grande tratado sobre a libertinagem. Das adaptações cinematográficas mais conhecidas, temos Valmont (1989), dirigido por Milos Forman; a versão teen, Segundas Intenções (1999); e, o mais famoso, Ligações Perigosas (1988), dirigido por Stephen Frears.

Um dos responsáveis pelo sucesso da versão de 1988 é Christopher Hampton, autor do roteiro do filme que, por sua vez, é uma adaptação da peça que ele havia escrito para a Broadway, baseada no romance de Laclos.Temos aí um interessante caso de romance que virou peça, que virou filme. Hampton teve a difícil tarefa de transformar uma narração epistolar em uma peça de teatro. Obviamente muito do que é narrado no romance original teve que ser transformado em ação e diálogo. Muito se perdeu, é verdade, afinal parte do charme do romance é a maravilhosa écriture das cartas. Hampton, no entanto, cumpre sua tarefa com muito êxito, pois o filme consegue ter uma grande força dramática e diálogos irresistíveis.

Ligações perigosas preserva uma linguagem bem teatral, o que pode ser encarado como um defeito em determinadas adaptações, mas que, neste caso, revela-se extremamente apropriado, uma vez que seus protagonistas são verdadeiros atores, performers da dissimulação. E afinal, o que é a Marquesa de Merteuil senão uma grande diretora/manipuladora de uma comédia perversa e pervertida? A metáfora do teatro é, portanto, mais do que adequada, pois vemos retratado um grupo de pessoas que sobrevivem em sociedade através da encenação.Não é de se estranhar que um dos personagens se retire da história dizendo: "Feche as cortinas".

Ligações Perigosas conta a história de dois libertinos aristocratas do século XVIII que se divertem através de suas conquistas e de seus affaires ilícitos. A Marquesa de Merteuil (Glenn Close) e o Visconde de Valmont (John Malkovich), os protagonistas desta história, não respeitam nem a moral, nem os bons costumes. De certa forma, eles se consideram acima de tudo isso e menosprezam a maioria das pessoas que os cercam. Apesar de passarem por cima dos valores da sociedade em que vivem, eles devem agir com toda cautela e dissimulação para que não sejam descobertos. A Marquesa de Merteuil, como ela mesma se define na carta 81 do romance e em cena do filme, é uma virtuosa na arte da libertinagem. Ela se "autofabricou" para ser um gênio na arte de enganar e superou todos os limites que sua condição de mulher poderia lhe impor. Personagem maquiavélica, ela encontra em Valmont um par perfeito para suas aventuras. Para vingar-se de um antigo amante, ela propõe ao Visconde de seduzir a futura noiva dele. Valmont, por sua vez, interessa-se em conquistar uma mulher casada e religiosa, Madame de Tourvel (Michelle Pfeiffer).

Grande parte do charme desta produção encontra-se na performance de seus atores principais. Glenn Close tem um desempenho notável ao retratar a Marquesa de Merteuil como uma mulher extremamente inteligente, manipuladora, dissimulada, vingativa e fria. Nada em sua composição é over. É interessante observar como, através do olhar, a atriz consegue personificar uma mulher que está sempre a um passo a frente de todos, que tem tudo calculado. Já John Malkovich, exibe um sarcasmo e uma ironia únicos, em um personagem cujo sorriso é quase um assédio sexual. Seus trejeitos femininos contrastam com sua a virilidade, sua dicção revela um homem que saboreia cada palavra e cada mentira que diz. No meio de toda dissimulação, surge a doce Michelle Pfeiffer, a vítima, em uma performance trágica e sensível. Temos ainda o prazer de ver o talento da então muito jovem Uma Thurman e o desprazer de ver Keanu Reeves, que até hoje não aprendeu a atuar (quem sabe um dia). 

É importante salientar a função dos espelhos no filme. Podemos ver, por diversas vezes, seus protagonistas, principalmente a Marquesa, se olhando no espelho. Isso revela a princípio a extrema vaidade dos personagens, mas simboliza mais do que isso. O espelho funciona também como uma duplicação dos personagens, ou seja, quando eles se olham no espelho, eles parecem refletir sobre a própria dualidade: o que eles são e o que eles fingem ser. A imagem refletida no espelho pode também simbolizar um julgamento de suas ações, um olhar exterior sobre si mesmos.

Ligações perigosas é uma adaptação bem-sucedida do grande romance francês do século XVIII. Das que eu tive o prazer de conferi, a melhor. Novas e diferentes adaptações, no entanto, são possíveis e, com certeza, a obra de Laclos é interessante o suficiente para instigar novos diretores e novos olhares. 

Trailer do filme: 

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