domingo, 15 de maio de 2011

A época da inocência - 1993

Michelle Pfeiffer e Daniel Day-Lewis
A bela cena do farol...


Scorsese disse certa vez que este era o seu filme mais violento. O diretor de Taxi Driver (1976), Os bons companheiros (1990) e Touro Indomável (1980), com certeza, não se referia a violência física, muito bem representada nesses três grandes filmes, mas sim a uma violência provavelmente mais terrível: a do amor que não pode se realizar. Coincidentemente, acabo de ler A Princesa de Clèves romance francês do final do século XVII, que conta também uma história de um amor irrealizável. A ambientação da aristocracia francesa, da corte, com suas convenções e seus vícios estão de certa forma transpostas na história de A época da inocência, filme adaptado do romance de Edith Warton. Com certeza, o clássico francês de Madame de LaFayette foi de grande inspiração para o romance de Warton, escritora americana bem mais contemporânea, morta em 1937. Apesar de se passarem em épocas e lugares diferentes, A Princesa de Clèves e A época da inocência parecem opor a virtude à realização amorosa. Suas protagonistas carregam em si um enorme senso de dignidade e moral, que as impedem de se entregarem ao amor.

Encanta-me a forma com a qual Scorsese consegue transitar maravilhosamente em diversos gêneros diferentes. Talvez consigamos encontrar um denominador comum em suas diferentes obras: o bem x o mal ou, talvez, o bem e o mal (sem nunca cair no maniqueísmo). A época da inocência é demesuradamente poético e romântico. Em cada cena e em cada tomada, vemos o cuidado do diretor em contar uma história muito íntima de amor. Tudo ocorre em seu tempo e com um tempo diferente. Na cena em que Daniel Day-Lewis fecha os olhos profundamente, só por estar na presença da mulher que ele ama, podemos sentir o aperto no coração do personagem, o tempo parece parar. Scorsese consegue filmar esse aperto no coração, transformá-lo, através da imagem, em algo que nós, espectadores, possamos sentir. Este é apenas um exemplo da maestria do diretor. Através de seus lindos planos seqüência e das sobreposições de imagens, ele nos guia e nos faz descobrir um mundo cheio de preconceitos, vaidades, fofocas e luxo; um mundo que proíbe a liberdade e o amor em nome do "Nome".  

O filme se passa no século XIX em Nova York, onde uma "aristocracia" americana parece imitar as convenções das cortes européias. Newland Archer (Day-Lewis), advogado, de uma família tradicional e abastada, é noivo de May Welland (Winona Ryder). A ovelha negra da família Welland é a Condessa Ellen Olenska (Michelle Pfeiffer), uma mulher que abandonou o marido na Europa e que chega a Nova York para recomeçar sua vida.  Mal vista pela grande sociedade, ela encontra em Archer um grande apoio e os dois se apaixonam.

A primeira cena do filme consegue resumir metaforicamente todo o enredo do mesmo. Antes, os lindos créditos iniciais mostram uma sequência de flores se desabrochando; a flor é um elemento muito importante no filme, símbolo da feminilidade e da conquista. Nesta primeira cena, também seguimos a flor, primeiro na mão da atriz, depois no paletó de Archer e por fim no colo e no cabelo de May. Em uma sala de ópera, vemos toda a aristocracia nova-iorquina reunida. Os homens com seus binóculos observam as mulheres, como insetos em busca da flor mais colorida. Existe uma circulação de binóculos entre os personagens presentes, o único que não o utiliza é Archer (o inseto que, em tese, já achou sua flor, sua noiva). Surgem então as primas, May e Condessa, esta com um vestido azul brilhante que se destaca. Ela é a flor mais colorida, sobre quem os olhares se depositam. A condessa também tem seu par de binóculos, mas ela os deixa sobre o balcão. Ela é uma mulher que também já foi inseto, ou seja, também já teve a atitude tipicamente masculina (na época) de olhar e não somente ser olhada, ela largou o marido e teve seus affaires. Ao voltar para os Estados Unidos, ela pretende ser flor de novo. Quando Archer vai falar com sua noiva, a princípio ele só tem olhos para ela, mas logo depois ele muda de flor, senta-se ao lado da Condessa, a flor mais atraente, por quem ele se apaixonará.

O triângulo amoroso é interpretado com uma grande delicadeza por Day-Lewis, Pfeiffer e Ryder. Day-Lewis está presente em quase todas as cenas do filme, seu personagem é aquele com o qual nos identificamos. Seu drama, seu sofrimento, suas pulsões são extremamente violentos (daí a declaração de Scorsese). A interpretação deste ator é maravilhosa, tocante, minuciosa, bela em cada detalhe. Sua química com Michelle Pfiffer contribui ainda mais para que acreditemos na história de amor de seus personagens. Além disso, Pfeiffer é sempre apaixonante.

A época da inocência conta ainda com uma trilha sonora fantasticamente romântica, criada por Elmer Bernstein. A fotografia do filme é linda; por vezes parece que estamos diante de quadros (não por acaso, já que outro elemento muito importante no filme é a pintura). Enfim, um filme deliciosamente romântico e magistralmente dirigido. 


Trailer do filme: 

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