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sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Clássicos da Cinemateca - A Noviça Rebelde

Raindrops on roses and whiskers on kittens 
Bright copper kettles and warm woolen mittens 
Brown paper packages tied up with strings 
These are a few of my favourite things 

The hills are alive with the sound of music / With songs they have sung for a thousand years / The hills fill my heart with the sound of music
Com o passar do tempo, muitas pessoas passaram a se referir à Noviça Rebelde como sendo um filme bobo, açucarado, fora de moda, cafona. Tais adjetivos escondem, por vezes, uma resistência ao gênero musical, principalmente àquele praticado na Era de Ouro de Hollywood. Quem não aprecia o gênero dificilmente dará valor a este clássico, que é, sem dúvida, um de seus exemplares mais bem sucedidos. É compreensível que certas pessoas torçam o nariz ao ver uma freira correr pelas colinas austríacas de braços abertos cantando a felicidade e o poder da música. Afinal, estamos acostumados a enxergar o mundo por uma ótica menos idealizada e mais pessimista, fruto de todos os problemas que nos rondam.
A Noviça Rebelde, ao contrário, se assemelha a um conto de fadas e é uma celebração otimista da vida, do amor, da família e, principalmente, da música. Alguns cinéfilos, hoje em dia, chegam a classificar este filme como sendo um guilty pleasure, como se fosse realmente um pecado gostar do musical. É comum que alguns filmes, principalmente os clássicos, se cristalizem na memória universal e que tenhamos ideias preconcebidas sobre eles, sem nos preocuparmos em (re)vê-los. Todos esses preconceitos e análises apressadas parecem camuflar o fato de que A Noviça Rebelde é um grande filme e merece a chance de ser redescoberto.

Doe, a deer, a female deer / Ray, a drop of golden sun / Me, a name I call myself / 
Far, a longer way to run / Sew, a needle pulling thread /  La, a note to follow So /  Tea, I drink with jam and bread / That will bring us back to Do,Do Do Do
A Noviça Rebelde foi um imenso sucesso de público, liderando o box office de 1965 e desbancando o recorde de bilheteria que pertencia, até então, a E o Vento levou (1939). O sucesso comercial foi tamanho, que dizem ser este o filme responsável por salvar o estúdio Fox, após o desastre financeiro que foi o caríssimo Cleópatra (1963). O musical é um dos poucos filmes a liderar a bilheteria do ano de seu lançamento e ganhar o Oscar de Melhor Filme (feito realizado, por exemplo, por Titanic e O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei). Por falar em Oscar, A Noviça Rebelde foi indicado a dez estatuetas, tendo levado cinco (Filme, Diretor, Edição de Som, Montagem e Trilha Sonora). A recepção da crítica foi mista. Já naquela época, a trama e músicas açucaradas incomodavam alguns críticos, como Pauline Kael, que foi uma das mais ferrenhas detratoras do filme. Outros críticos, em contrapartida, aclamaram as incontestáveis qualidades técnicas e a trama envolvente do musical.

When the dog bites, when the bee stings / When I'm feeling sad / I simply remember my favourite things / And then I don't feel so bad
Muitos não sabem, mas a história do filme é baseada em eventos reais. O filme de 1965 é uma adaptação do musical de mesmo nome produzido na Broadway em 1959. A peça, por sua vez, foi baseada no livro de memórias de Maria Augusta von Trapp (que no filme é interpretada por Julie Andrews) e em sua adaptação cinematográfica realizada na Alemanha em 1956, Die Trapp-Familie. Em 1958, foi lançada sua sequência Die Trapp-Familie in Amerika(1958). A Noviça Rebelde conta a história de Maria, uma jovem noviça que é chamada para cuidar dos sete filhos de um rígido capitão austríaco, Georg von Trapp, por quem acaba se apaixonando. Apesar de ser baseado em um caso verídico, o filme possui diversas discrepâncias com relação ao que de fato ocorreu. Obviamente, muito no filme foi romantizado. Por exemplo, em suas memórias, Maria assume que não estava apaixonada por Georg quando se casou com ele. Ela também não foi contratada para cuidar de todas as crianças, mas apenas da caçula, que doente, precisava de lições em casa.
Outras curiosidades: a entrada da família no ramo musical deveu-se sobretudo à precária situação financeira de Georg após investimentos desastrosos. A casa onde morava a família era muito mais modesta do que o palacete retratado no filme. A maioria dos nomes das crianças foram alterados para o filme, assim como certas datas. O personagem de Max Detweiler é inteiramente ficcional. Outra discrepância apresentada no musical diz respeito ao temperamento de Georg, mostrado como um homem extremamente severo, distante e sem senso de humor. Na realidade, o capitão era conhecido por ser carinhoso e bastante presente na vida das crianças. Segundo o depoimento de uma das filhas do capitão, era, na verdade, a madrasta Maria que tinha o temperamento mais difícil. A família von Trapp não teve nenhum controle sobre a maneira como eram representados no cinema, uma vez que haviam vendido os direitos da história para um produtor alemão nos anos 50. Este, por sua vez, os vendeu para Hollywood.

Edelweiss, Edelweiss / Every morning you greet me / Small and white, clean and bright / You look happy to meet me
A escolha do diretor de A Noviça Rebelde é um epopeia a parte. Muitos diretores foram sondados e convidados pelos produtores Darryl e Richard D. Zanuck para assumir o projeto (dentre eles, Robert Wise) e todos disseram "não". William Wyler, grande nome do cinema clássico norte-americano, finalmente aceitou a tarefa e começou a escolher locações e a modelar o script. No entanto, o diretor acabou  por sentir-se inadequado para dirigir o filme, ainda mais que seu coração estava em outro projeto, a adaptação do romance O Colecionador, que veio a se tornar um filme cult. Wyler foi liberado pelos produtores e Robert Wise aceitou substituir o colega.
Robert Wise foi, certamente, um dos diretores mais versáteis de Hollywood. Ele é geralmente conhecido pelos dois musicais que dirigiu, Amor Sublime Amor e A Noviça Rebelde, seus filmes mais populares e famosos, pelos quais ganhou dois Oscars de diretor. No entanto, ele não era nenhum especialista no gênero. Alguns críticos tendem a considerar que o seu melhor filme foi, na verdade, O Dia em que Terra Parou (1951), tido como uma obra-prima de ficção científica e um dos filmes mais influentes do gênero. Wise também dirigiu os ótimos Jornada das Estrelas: O Filme (1979) e o filme de guerra O Canhoneiro do Yang-Tsé (1966). Wise chegou a ser considerado um diretor menos autoral por se submeter às vontades do estúdio e imprimir pouco de seu estilo às  suas obras. Novas críticas, no entanto, valorizam o profissionalismo, a habilidade e o preciosismo do diretor, que soube lidar com os mais diferentes gêneros e orçamentos. 

You are sixteen going on seventeen / Baby, it's time to think / Better beware, be canny and careful / Baby, you're on the brink
A Noviça Rebelde é um testemunho do talento de Wise, que cria um filme cativante, pulsante, combinando brilhantemente drama, humor, romance e até mesmo sequências de ação. Além de tudo, nunca a paisagem austríaca apareceu tão bela no cinema (com o auxílio, claro, da excelente fotografia de Ted D. McCord). A grandiosa sequência de abertura do musical é certamente um dos momentos mais célebres do cinema. Extremamente difícil de ser realizada, a sequência foi filmada com a ajuda de um helicóptero. Segundo Julie Andrews, uma das maiores dificuldades durante as filmagens era se manter de pé devido a poderosa corrente de ar gerada pelo helicóptero.
O roteiro de Ernest Lehman lida bem com a grandiosidade da história, sabendo dosar o aspecto histórico do filme (a ascenção do nazismo como pano de fundo) e a história de amor dos protagonistas. O coração do filme é, no entanto, sua trilha sonora, composta pelas belíssimas canções de  Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II: "Edelweiss", "My Favorite Things", "Climb Ev'ry Mountain", "Do-Re-Mi", "Sixteen Going on Seventeen", "The Sound of Music”, entre outras músicas que grudam na cabeça. Obviamente, essas músicas não são as mesmas que a verdadeira família von Trapp cantava em suas apresentações.
O grande elenco do filme é comandado pela incomparável Julie Andrews (indicada ao Oscar), com seu ótimo timing cômico, sua jovialidade e sua belíssima voz. O elenco ainda conta com os excelentes Christopher Plummer (que é dublado nos números musicais por  Bill Lee), Peggy Wood (indicada ao Oscar), Eleonor Parker, Charmian Carr e um grupo adorável de atores mirins.
Apesar de ser um clássico amado por diversas gerações, A Noviça Rebelde, é, hoje em dia, um filme pouco assistido, principalmente, pelos jovens cinéfilos. É fácil dizer que o filme envelheceu mal sem de fato lhe dar uma chance. Na realidade, o musical é um prato cheio para quem ama cinema e, ainda hoje, pode arrebetar muitos corações. O American Film Institute listou o filme como sendo um dos 100 melhores de todos os tempos (40ª posição) e um dos melhores musicais (4ª posição).

So long, farewell, auf wiedersehen, good night / I hate to go and leave this pretty sight / So long, farewell, auf wiedersehen, adieu / Adieu, adieu, to yieu and yieu and yieu

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Millenium: Os Homens Que Não Amavam As Mulheres - 2011

Título Original: The Girl with the Dragon Tattoo
Lançamento: 2011
País: Estados Unidos
Direção: David Fincher
Atores: Daniel CraigRooney Mara, Christopher Plummer, Stellan Skarsgård, Robin Wright, Joely Richardson
Gênero: Suspense


Rooney Mara oferece uma das melhores performances de 2011 na pele de Lisbeth Salander

9 de dezembro de 2004 - morre, aos 50 anos, Stieg Larsson, jornalista, ativista político e romancista sueco. Agosto de 2005 - publicação de Os homens Que Não Amavam as Mulheres, primeiro volume da trilogia Millenium, deixada por Larsson. 2006 - publicação de A Menina Que Brincava com Fogo, segundo volume da trilogia. No mesmo ano, Larsson é premiado postumamente com o Glass Key Award de melhor romance policial do ano, seu primeiro prêmio literário. 2007 - publicação de A Rainha do Castelo de Ar, último volume de Millenium.  2008 - Larson é premiado por mais três associações na Suécia, na África do Sul e no Reino Unido. No mesmo ano, Larsson se torna o segundo autor mais vendido no mundo. 2009 - Larsson é premiado com mais dois prêmios literários. No mesmo ano, é lançada a versão cinematográfica sueca para a trilogia, o primeiro filme foi dirigido por Niels Arden Oplev e os outros dois por Daniel Alfredson (irmão de Tomas de O Espião que Sabia Demais). 2010 A Rainha do Castelo de Ar se torna o livro mais vendido nos Estados Unidos. Dezembro de 2011 - é lançado nos Estados Unidos a versão americana de Os Homens Que Não Amavam as Mulheres, dirigido por David Fincher. 24 de janeiro de 2012 - O filme de Fincher é indicado a cinco Oscar's (Melhor Atriz, Melhor Fotografia, Melhor Montagem, Melhor Edição de Som, Melhor Mixagem de Som). 

Infelizmente, um infarto fulminante impediu que Larsson visse a repercussão e o sucesso meteórico de seus romances. Em apenas sete anos, quatro adaptações fílmicas de sua obra foram realizadas, sintoma de que a trilogia é um verdadeiro hit cultural. Era de se esperar que Hollywood também se interessasse na adaptação da obra e, para a nossa sorte, a direção de Os Homens Que Não Amavam As Mulheres foi parar nas mãos de David Fincher. O diretor americano de 49 anos tem um currículo invejável e mesmo os seus filmes menos bem-sucedidos podem ser considerados "tropeços dignos". Embarcando mais uma vez no suspense, gênero que domina com perfeição, Fincher retrata o sombrio universo do crime (como o fez em Seven e Zodíaco), da violência e da investigação.


O filme, roteirizado pelo prolífico Steven Zaillian, o mesmo de O Homem Que Mudou O Jogo, começa nos mostrando como a vida de Mikael Blomkvist (Daniel Craig), jornalista investigativo e co-editor da Revista Millenium, virou de cabeça para baixo após ter publicado uma série de denúncias sobre um importante empresário sueco. Sem provas para sustentar suas acusações, Blomkvist vê sua reputação manchada e sua conta bancária gravemente atingida, já que ele deverá pagar uma indenização exorbitante ao suposto caluniado. Oportunamente, o milionário Henrik Vanger (Christopher Plummer) contacta o jornalista para que este o ajude a descobrir a causa do misterioso desaparecimento de sua sobrinha. Para ajudá-lo nessa missão, Blomkvist recruta a hacker Lisbeth (Rooney Mara), jovem de 23 anos que encontra-se sob tutela do Estado, devido ao seu histórico de violência. 

Uma das grandes personagens que apareceram nas telonas neste último ano, Lisbeth é um espetáculo a parte. Muito do impacto da personagem vem do fantástico trabalho de caracterização que é feito com a atriz Rooney Mara: do figurino aos penteados, passando pelos piercings e tatuagens, sem mencionar as sobrancelhas descoloridas. Seria injusto, no entanto, afirmar que a caracterização é uma muleta para performance de Mara, já que a atriz nos presenteia com uma das maiores atuações do ano. A jovem atriz de 25 anos que já havia participado do filme anterior de Fincher, o ótimo A Rede Social (2010), revela um talento impressionante e uma entrega admirável ao papel. 


A composição da personagem é feito com extremo zelo e este cuidado se revela já na criação de uma maneira própria de Lisbeth falar, com uma dicção precisa, objetiva, quase robótica. Podemos dizer, que a personagem tem um "tempo" diferente dos demais. Mas não para por aí. Mara ainda confere diversas nuances à protagonista, fazendo dela uma personagem perigosa, intimidadora, arredia, imprevisível e, ao mesmo tempo, heroica. Por trás de toda fachada bizarra, Lisbeth é uma heroína. A frieza da personagem e sua dificuldade de se relacionar com as outras pessoas, vêm da mistura de uma inadequação ao mundo, de um sentimento de superioridade (afinal ela é inteligentíssima) e, provavelmente, de uma timidez absurda. Mesmo não tendo acesso ao passado da personagem, é nítido que sua infância e adolescência foram atravessados por acontecimentos que a marcaram profundamente e que justificam os mecanismos de defesa que ela utiliza para enfrentar um mundo cheio de violência. Mesmo com os traumas e uma sexualidade ambígua, Lisbeth, ao final, revela também um romantismo tocante, já que ela encontra em Blomkvist, alguém em quem ela pode confiar e se conectar. 

A violência é explorada de forma destemida e realista por Fincher e o filme contém cenas extremamente perturbadoras. Entre elas, não podemos deixar de mencionar uma cena de estupro e outra de tortura, que estão entre os momentos mais fortes do cinema em 2011. O filme é uma grande denúncia da violência cometida contra mulheres e contra atos de misoginia. É interessante notar que Lisbeth não pensa duas vezes quando  Blomkvist  a chama para a investigação, dizendo: "Quero que você me ajude a apanhar um assassino de mulheres". A personagem, que tem ares de vingadora, sem dúvida se sente atraída pela causa, que a atinge diretamente, já que ela também foi vítima da violência masculina. O filme também aborda um problema bastante delicado: o neonazismo que persiste em várias cidades da Europa. 


Não só Rooney Mara merece aplausos no filme. O sempre competente Daniel Craig entrega mais uma ótima performance, sendo capaz de nos fazer esquecer completamente que ele é o atual James Bond. O filme traz também Christopher Plummer em seu segundo grande trabalho no cinema em 2011. O talentoso ator sueco Stellan Skarsgård também está excelente e tem uma cena absolutamente magistral, com um monólogo de arrepiar. Entre muitas ótimas participações, destacam-se também as belas Robin Wright e Joely Richardson. 

Além da direção primorosa e do elenco afiado, o filme de Fincher ainda tem uma inspirada trilha sonora (de Trent Reznor e Atticus Ross) e uma excelente fotografia (de Jeff Cronenweth), que cria uma atmosfera tensa e, por vezes,claustrofóbica. Os tons acinzentados e frios dominantes no filme dão lugar às cores quentes no momento em que Henrik lembra de seu passado familiar, criando um contraste bastante interessante. A montagem do filme é excepcional e é brilhante a forma com a qual ações simultâneas são agenciadas, no clímax do filme, criando um efeito de suspense à la Hitchcock. A escolha de se estruturar o filme em duas narrativas paralelas que eventualmente se tornam uma só é outro acerto. 

Os Homens Que Não Amavam As Mulheres é tão envolvente que atiça a curiosidade do espectador para conhecer o futuro dos personagens principais. Talvez o final do filme pudesse ser mais enxuto, mas este é um defeito menor e perdoável deste thriller praticamente irreprochável. 




quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Toda forma de amor - 2011

Título original: Beginners
País: Estados Unidos
Lançamento: 2011
Diretor: Mike Mills
Atores Ewan McGregorChristopher Plummer e Mélanie Laurent
Gênero: Comédia dramática

"Você me faz rir, mas não é engraçado."

Hal (Christopher Plummer) e Oliver (Ewan McGregor), pai e filho em Toda Forma de Amor

Toda forma de amor é o segundo longa-metragem de ficção de Mike Mills, diretor, músico e artista gráfico americano de 45 anos. Seu primeiro longa Impulsividade (2005) não é suficientemente conhecido pelo grande público, mas foi um sucesso de crítica, tendo sido lembrado no Festival de Berlim e no Sundance. O novo filme de Mills vem chamando a atenção pela grande possibilidade de dar ao veterano Christopher Plummer, de A Noviça Rebelde (1965), seu primeiro Oscar. Em Toda Forma de Amor, Mills, também responsável pelo roteiro do filme, conta a história de Oliver, um ilustrador (elemento autobiográfico?) que deve descobrir como lidar com a morte do pai e com o surgimento de um novo amor. Detalhe importante: quatro anos antes de morrer, aos 75 anos, Hal (Plummer) conta ao filho Oliver (Ewan McGregor) que é gay e que pretende finalmente se assumir para o mundo. 

Um dos grandes feitos da obra de Mills é agenciar diferentes temporalidades de maneira fluida e orgânica. Estruturado em flashbacks e flashforwards, o filme lida com o presente, o passado próximo e o passado distante, sem se tornar esquemático ou confuso. A decupagem do filme, neste sentido, é genial, já que consegue relacionar os diferentes momentos da vida do protagonista através de supostas associações mentais feitas pelo mesmo, relacionadas às próprias lembranças de Oliver. A medida que o filme se desenrola, tais associações se tornam cheias de significado, já que o espectador torna-se mais e mais íntimo do protagonista. 

O filme revela os processos de aprendizado dos três personagens principais (não é por acaso que o título original do longa é Iniciantes). Hal abandona a vida de hétero, de homem casado e pai de família, após a morte de sua mulher, e recomeça sua vida como gay. É dele uma das melhores frases do filme: "Eu não quero ser gay apenas na teoria. Eu quero partir para a ação". Após encontrar um jovem namorado, Andy (Goran Visnjic), Hal descobre que tem câncer terminal e, a partir de então, deve aprender a viver com essa nova realidade. A coragem com que ele lida com essas duas situações acabam por ser inspiradora para seu filho. 

Oliver (McGregor) e Anna (Mélanie Laurent)
Oliver, por sua vez, encontra dificuldades para enfrentar diversos problemas. Primeiramente, o protagonista deve lidar com o vazio que a morte do pai lhe deixou (representado pela belíssima primeira cena do filme). Mas não é só isso. Durante a sua infância, Oliver foi "contaminado" pelo casamento infeliz de seus pais e, adulto, ele deve aprender a acreditar que relacionamentos podem dar certo. Mais do que isso, Oliver, que é extremamente melancólico, deve aprender que é possível ser feliz no amor. Já Anna, a nova paixão de Oliver, deve buscar vencer a depressão e a solidão e encontrar estabilidade no amor. Oliver e Anna terminam o filme ainda iniciantes, mas muito mais aptos a se compreenderem e a amarem.

Uma das grandes qualidades do filme é a construção de seus personagens, extremamente humanos. O roteiro trata cada um deles de maneira carinhosa e cuidadosa, revelando suas qualidades e fraquezas com uma sensibilidade única. A história de amor entre Anna e Oliver é desenvolvida de maneira encantadora e poderíamos resumi-la assim: as duas pessoas mais tristes do mundo se apaixonam e descobrem como sorrir juntas. E, por mais que cada um deles tenha que lidar com os próprios fantasmas, é difícil não acreditar que um é feito para o outro. Mills acerta também ao incluir o desenho como elemento fundamental no filme, como tradutor dos sentimentos do protagonista. O uso que ele faz dessas ilustrações e também de fotos de arquivo é excepcional. É também extremamente poética a maneira com a qual Oliver resgata a origem de seu pai, de sua mãe, de Anna e de si mesmo, através de uma apresentação que nos remete à abertura de O fabuloso destino de Amélie Poulain (2001). E não me espantaria saber que o diretor é fã do filme francês e que tenha se inspirado, em algum nível, neste jovem clássico. 

Por fim, é inevitável não mencionar as belíssimas atuações que este filme contém. Ewan McGregor surge mais uma vez fantástico ao encarnar um personagem apaixonante, que nos comunica a cada instante sua tristeza, sua inadaptação ao mundo, sua melancolia e sua alma de artista. A bela atriz francesa Mélanie Laurent, nos oferece uma performance tocante, interpretando uma mulher que guarda uma lágrima por trás de cada sorriso. A sintonia entre os dois atores é um dos grandes trunfos do filme. O grande Christopher Plummer nos oferece uma performance digna de Oscar e é, sem dúvida, o favorito deste ano à estatueta de Melhor Ator Coadjuvante. Mary Page Keller, que interpreta a mãe de Oliver, tem uma participação reduzida, mas sua presença marcante e sua interpretação fazem de suas cenas umas das melhores do filme. Finalmente, não podemos deixar de mencionar o fofíssimo cachorrinho Cosmo (sim, não estou louco!) que dá vida a Arthur, cãozinho de Hal, e que tem grande importância na trama. 

É uma pena que Toda Forma de Amor só venha despertando o burburinho de premiações para Plummer, uma vez que o filme poderia ser lembrado também por tantos outros aspectos. Sem dúvida, o longa de Mills é um dos mais interessantes e cativantes do ano passado. Vale a pena conferir!