quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Clássicos da Cinemateca - Levada da Breca (1938)


"Não é que eu não goste de você, Susan, porque, afinal de contas, em momentos tranquilos, sou estranhamente atraído por você; mas, enfim, não existiram momentos tranquilos!”
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Cary Grant e Katharine Hepburn estrelam Levada da Breca (1938).
 
Nesta edição, a Cinemateca celebra um grande clássico e um gênero quase esquecido. Falaremos sobre Levada da Breca (Bringing Up Baby, 1938), grande representante da Comédia Maluca (ou Screwball Comedy), um gênero tipicamente hollywoodiano, muito popular nas décadas de 1930 e 40. A Comédia Maluca combina farsa, pastelão e diálogos espirituosos. Os filmes pertencentes a esse gênero geralmente focalizam uma batalha de sexos, na qual os protagonistas tentam ludibriar ou enganar o outro. Além de gags visuais, a Comédia Maluca apresenta um ritmo acelerado, com diálogos rápidos, sofisticados e tiradas certeiras. O termo “maluca” parece exprimir o comportamento errático e excêntrico dos personagens, que flertam, muitas vezes, com a loucura e o ridículo.
Outros elementos geralmente encontrados na Comédia Maluca são: grande tensão sexual entre os protagonistas, por vezes disfarçada em animosidade e troca de farpas; confusões e mal-entendidos; lutas de classes; trocas de identidades; inversões de papéis; situações absurdas e/ou embaraçosas. Muitos dos elementos  típicos da Comédia Maluca podem ser encontrados nas comédias românticas dos dias de hoje. 
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Grant tinha 34 anos e Hepburn tinha 30 anos na época do lançamento do filme.
Costuma-se apontar Suprema Conquista (1934), de Howard Hawks, e Aconteceu Naquela Noite (1934), de Frank Capra, como as primeiras “comédias malucas” do cinema. Outros clássicos do gênero são: Irene, A Teimosa (1936), Cupido é Moleque Teimoso (1937), Jejum de Amor (1940), Bola de Fogo (1941) e Ser ou Não Ser (1942). Hawks talvez seja o diretor que mais tenha contribuído para o gênero. É dele um dos filmes que melhor representam o caráter inovador da Comédia Maluca, Levada da Breca (1938). 
Hawks (1896-1977) é um dos cineastas  mais importantes e versáteis da Era de Ouro de Hollywood. Ele atuou como  produtor, diretor e roteirista, tendo iniciado sua carreira ainda no cinema mudo. Dono de uma filmografia impressionante, Hawks foi um dos diretores mais influentes de sua época. Ainda assim, não usufruiu da mesma fama e reconhecimento de alguns de seus contemporâneos, como os grandes John Ford e Billy Wilder. Hawks foi indicado ao Oscar de Melhor Diretor apenas uma vez por Sargento York (1941), tendo levado um prêmio honorário pela carreira  em 1975. 
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Hawks dirige Cary Grant e Katharine Hepburn em cena do filme.
Curiosamente, foi na França que o trabalho do cineasta foi mais apreciado e aclamado. Hawks era um dos diretores favoritos dos renonados críticos franceses da revista Cahiers du Cinéma,que fizeram dele um verdadeiro ícone do cinema americano. Hawks se enveredou por diferentes gêneros  cinematográficos durante sua carreira, tendo realizado comédias, dramas, filmes de gângster, westerns, filmes noir, entre outros. Dentre suas principais obras estão:Scarface – A Vergonha de Uma Nação (1932), Paraíso Infernal (1939), Jejum de Amor (1940),Uma Aventura na Martinica (1944), À Beira do Abismo (1946), Rio Vermelho (1948), Os Homens Preferem As Loiras (1953), Rio Bravo (1959) e, é claro, Levada da Breca (1938).
Levada da Breca já foi citado diversas vezes como uma das comédias mais engraçadas de todos os tempos. Desastre absoluto de bilheteria na época de seu lançamento, o filme foi ao longo dos anos alçado à categoria de obra-prima. Considerado por alguns especialistas como o filme definitivo da Comédia Maluca, Levada da Breca conta a história de David Huxley (Grant), um desajeitado paleontólogo que vê sua vida virar de cabeça para baixo, assim que conhece Susan Vance (Hepburn), uma insana e espevitada milionária. Para obter uma generosa doação, o certinho paleontólogo tem que lidar com as excentricidades da ricaça (que se revela obcecada por ele­) e com o novo animal de estimação da moça, um leopardo brasileiro chamado Baby. 
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A cena em que David se veste com o robe de Susan é uma das mais famosas do filme.
O longa-metragem foi roteirizado por Dudley Nichols e Hagar Wilde, a partir de um texto escrito por Wilde e publicado na Collier's Magazine. O filme combina humor farsesco, situações absurdas, romantismo, grandes atuações e ação de tirar o fôlego. O filme é protagonizado por duas das maiores estrelas da Hollywood Clássica: Cary Grant e  Katharine Hepburn. Esse foi o segundo de quatro filmes estrelados pela dupla. Outra parceria bastante conhecida do casal foi na premiada comédia Núpcias de Escândalo (1940).
O personagem de Cary Grant em Levada da Breca foi inspirado na persona de Harold Lloyd, famoso comediante do cinema mudo (os óculos do personagem são, inclusive, referência ao ator). No entanto, muito do sucesso do personagem vem do talento e do carisma de seu intérprete. Grant, por sinal, demonstrou ter, ao longo de sua carreira, grande facilidade para encarnar papéis cômicos e não teve nenhum problema para encontrar o tom de seu personagem em Levada da Breca. O mesmo não aconteceu com Hepburn, que tinha menos experiência que o galã em comédias. 
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Levada da Breca
 foi ignorado por todas as premiações em 1938.
Katharine Hepburn, premiada quatro vezes com o Oscar e apontada como uma das melhores atrizes de todos os tempos, teve dificuldade em acertar o timing cômico da personagem. Hawks teve que treinar a atriz, com o auxílio de outros profissionais, incluindo Walter Catlett, colega de cena de Hepburn no filme. Esforço recompensado. A impagável performance de Hepburn e a química dos protagonistas são dois dos maiores trunfos do filme.
Existe uma série de anedotas sobre o clássico. Dizem, por exemplo, que a famosa cena do restaurante, em que o vestido de Hepburn é rasgado, foi inspirada em algo que teria acontecido realmente com Cary Grant. Ao ver que uma mulher havia rasgado o vestido em um teatro, o ator teria se comportado como seu personagem ao tentar cobrir a moça. Grant teria contado a história ao diretor, que a adorou e a incluiu na trama. Outra anedota diz respeito à relação dos atores com o leopardo nos sets de filmagem. Enquanto Hepburn se mostrava extremamente à vontade e destemida com o animal, Grant tinha pavor da fera. Foi necessário o uso de dublê em cenas em que seu personagem precisava fazer contato com o leopardo.
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O leopardo usado no filme chamava-se Nissa na vida real.
Outra curiosidade diz respeito ao uso da palavra “gay” no filme. Acredita-se que foi em Levada da Breca que o termo “gay” foi usado pela primeira vez no cinema (não pornográfico) com o sentido que conhecemos atualmente (referindo-se à homossexualidade), em oposição ao seu sentido original, “alegre”. Tal uso se deu na cena em que o personagem de Cary Grant veste um robe de Susan e ao ser perguntado a razão, diz: "Because I just went gay all of a sudden!" (Porque eu acabei de ficar gay de repente!).
O fracasso de bilheteria de Levada da Breca foi decisivo para que Katharine Hepburn entrasse para a infame lista dos atores chamados de “veneno de bilheteria” (box-office poison). A culpa do insucesso do filme junto ao público recaiu sobre os ombros da atriz, já que muitos afirmavam que a rejeição do público a Hepburn teria sido o motivo da  má arrecadação do filme. O motivo dessa alegação tem origem no fato de que, desde 1935, a atriz estrelara uma série de filmes que foram mal de bilheteria. Além disso, ela tinha uma péssima relação com a imprensa.
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No filme diversos efeitos visuais e “truques” são usados para aproximar os atores do leopardo.
Levada da Breca foi o último filme de Katharine Hepburn para o estúdio RKO. Depois que o longa-metragem foi retirado precocemente das salas de cinema, devido ao seu fraco desempenho, a RKO ofereceu a Hepburn um papel em um filme B, de baixo orçamento. Hepburn, então, corajosamente, rompeu seu contrato com o estúdio e se tornou independente. Seu próximo projeto seria outro filme com Cary Grant, Férias (1938), pela Columbia Pictures, que também não foi muito bem de bilheteria. A redenção de Hepburn viria com Núpcias de Escândalo (1940), grande sucesso comercial.
Levada da Breca aparece na lista de melhores filmes de todos os tempos da Total Film Magazine, da Sight & Sound e do American Film Institute. A Entertainment Weekly incluiu o clássico na sua lista dos filmes mais engraçados de todos os tempos. A Premiere Magazine elegeu a performance de Cary Grant como uma das melhores do cinema e Susan Vance como uma das maiores personagens da sétima arte. Setenta e quatro anos não foram capazes de fazer com que Levada da Breca se tornasse menos engraçado e arrebatador, ao contrário, o filme continua sendo uma aula de como fazer rir.

3 comentários:

  1. Ótima Publicação, Ótima Escolha,
    Levada da Breca é um ótimo filme, frenético e biruta bem no bom estilo anos 30.
    Parabéns pelo ótimo texto...

    Abração

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  2. Maravilhosa postagem... e, aqui entre nous, AMO "Bringing up Baby" de paixao. É uma Screwball comedy das melhores, senao a melhor do genero... Kate está ótima, se reinventando depois de alguns fracassos, como comica. Grant, eterno... Voce reparou que "What's up, Doc?" de Peter Bogdanovich é extremamente influenciado por "Levada da Breca" (eta título ótimo, brasileiríssimo, né?). Sim. Streisand e O'Neal reencarnado Hepburn e Grant... preste atencao!
    P.S. Seu Blog cada vez melhor!!!!!!!!!!

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  3. Amo essa comédia. Já a vi inúmeras vezes. Super divertida.

    Belo blog.
    Cumprimentos cinéfilos!

    O Falcão Maltês

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