quarta-feira, 11 de julho de 2012

Clássicos da Cinemateca - Um Corpo que Cai (1958)


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Começaremos a falar de Um Corpo que Cai, fazendo referência a alguns números interessantes. O filme é o 46º longa-metragem de Alfred Hitchcock, que tinha 58 anos quando o realizou. Um Corpo que Cai é a quarta e última parceria de Hitchcock com James Stewart, que contava com 50 anos quando interpretou Scottie Ferguson e era 26 anos mais velho que Kim Novak, seu par romântico no filme. Novak foi a segunda opção do diretor para o papel principal. A primeira escolha de Hitchcock era a atriz Vera Miles, que teve que declinar do convite em função de uma gravidez. O filme foi lançado em 1958, dois anos após a aposentadoria de Grace Kelly do cinema. A atriz era a loira favorita de Hitchcock, que a dirigiu em três filmes. Um Corpo que Cai foi filmado em menos de três meses, custou aproximadamente 2,5 milhões de dólares e arrecadou no fim de semana de estreia pouco mais de 10 mil dólares. Na época de seu lançamento, o filme teve uma bilheteria abaixo da esperada e obteve críticas mistas. Hitchcock não lidou muito bem com a recepção de sua obra e culpou Stewart pelo fracasso do filme nas bilheterias, afirmando que o ator era muito velho para o papel, não atraindo o público e não convencendo como o interesse amoroso de Novak. O tempo, no entanto, opera mágicas e hoje o filme forma, ao lado de Janela Indiscreta (1954)e Psicose (1960), a tríade das maiores obras-primas do cineasta. A atuação de Stewart no clássico é uma das mais icônicas de sua carreira.
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Foto dos bastidores do filme: Alfred Hitchcock e James Stewart.
Um Corpo que Cai impressiona já na sequência dos créditos iniciais, criada pelo designer gráfico Saul Bass (que colaborou com Hitchcock também em Intriga Internacional). Bass foi auxiliado por Jonh Whitney, cineasta experimental que faz a animação das Curvas de Lissajous (espirais mostradas na abertura). Segundo Bass, ele queria recriar a sensação de mal-estar associada à vertigem, justapondo a imagem dos olhos a outras imagens e às elipses: “Eu utilizei as Curvas de Lissajous, concebidas por um matemático francês do século 19 para exprimir certas fórmulas, pelas quais eu me apaixonei alguns anos antes. Pode-se dizer que elas me obcecavam há muito tempo. [...] Eu queria capturar a aura de amor e obsessão deste filme”.¹

A sequência dos créditos iniciais do filme foi criada por Saul Bass e John Whitney.
Um Corpo que Cai é a adaptação do romance D'Entre les Morts, dos escritores franceses Pierre Boileau e Thomas Narcejac. Ambientadoem San Francisco, o filme se inicia revelando a maneira traumática com a qual Scottie Ferguson (Stewart) foi confrontado pela primeira vez com sua acrofobia (medo de lugares altos). Em uma perseguição policial, a fobia do detetive acaba causando a morte de um colega. Pouco tempo depois, já aposentado, Scottie é contatado por um antigo conhecido que lhe dá a tarefa de investigar sua esposa Madeleine (Novak) que, ao que tudo indica, está possuída pelo espírito de uma antepassada. Scottie se apaixona perdidamente por Madeleine, mas sua acrofobia impede que ele a salve quando esta se joga da torre de um convento. O destino, no entanto, faz com que o protagonista se depare com Judy (Novak novamente), sósia de Madeleine, algum tempo depois.
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Primeira cena no filme: Scottie descobre o seu medo de altura.
Para representar a vertigem no filme, Hitchcock e seu cameraman Irmin Roberts criaram o famoso efeito zoom out and track in (também conhecido por travelling compensé ou contra zoom). Trata-se de um travelling adiante combinado a um zoom para trás, que dá a sensação de desarticulação no espaço. Através desse efeito, Hitchcock pode representar a sensação de atração e repulsão (medo) provocada pela vertigem. Tal procedimento passou a fazer parte da linguagem cinematográfica, sendo depois utilizada por outros diretores, como Steven Spielberg, em Tubarão (1975).
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Madeleine contemplando retrato de Carlotta. 
A espiral também está presente no penteado de Madeleine.
Um dos grandes charmes de Um Corpo que Cai é o fato de que ele desafia qualquer rótulo reducionista, sendo um amálgama de diferentes gêneros como o suspense, o romance e o melodrama. Poderíamos até mesmo transformar o filme em uma equação. Um Corpo que Cai = intriga policial + romance + indagação metafísica + história de fantasmas + x. O seria a variável que liga harmoniosamente todos esses elementos, o toque genial de Hitchcock. Deixando um pouco de lado a matemática, podemos analisar a definição dada pelo próprio diretor ao seu filme. O mestre do suspense afirmou certa vez que o Um Corpo que Cai é a história de um necrófilo.
A definição provocativa de Hitchcock é extremamente pertinente, afinal Scottie, o protagonista, é um homem apaixonado por uma mulher “morta” que existe apenas como ideal. A cena em que ocorre a consumação do amor dos protagonistas é caracterizada por uma fantasmagórica luz verde que toma conta de toda a tela. A sexualidade de Judy perturba Scottie, que prefere o amor vindo das sepulturas. O protagonista insiste em transformar Judy na imagem da mulher morta. O amor necrófilo de Scottie por esta imagem revela o apego a uma ideia, um amor espiritual. O personagem de Stewart não consegue lidar também com sua própria natureza de ser humano encarnado. Sua vertigem o deixa inapto ao mundo físico opressor. O retorno de uma Kim Novak, muito mais encarnada, como Judy, é, para Scottie, violento e insuportável. É preciso desencarná-la e transformá-la em Madeleine.
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Scottie (James Stewart) se apaixona perdidamente por Madeleine (Kim Novak).
James Stewart era o ator que melhor encarnava o homem comum americano no cinema. Nos filmes de Hitchcock, Stewart vive indivíduos impotentes diante dos acontecimentos, homens cujas ações são limitadas por problemas físicos (a perna quebrada em Janela Indiscreta) ou psicológicos (a acrofobia em Um Corpo que Cai). O único salvamento realizado por Scottie na trama revela-se, posteriormente, um embuste. O personagem de Stewart é, portanto, marcado pela culpa e pela perda, o que faz de Scottie um dos personagens mais trágicos da filmografia de Hitchcock.
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Madeleine, Scottie e Judy: um triângulo amoroso insólito.
Mesmo que seu talento nunca tenha se sobressaído à sua beleza, em Um Corpo que Cai, Kim Novak consegue dar à loira Madeleine o caráter etéreo pedido pela personagem através de seu olhar sempre perdido, seu jeito vulnerável e sua falta de expressão. Já como a morena Judy, a atriz tem uma presença mais marcante e uma sensualidade exuberante. Recentemente, a atriz de 78 anos levantou uma polêmica, acusando o filme O Artista (2011) de plagiar um dos temas musicais de Um Corpo que Cai (1958), composto por Bernard Herrmann. O inesquecível tema de amor da obra de Hitchcock foi realmente utilizado no filme francês, indicado este ano  a dez Oscars. O uso, no entanto, é acusado nos créditos finais do filme, onde a peça é citada como música adicional. A música de Herrmann é, por sinal, uma das mais marcantes trilhas sonoras do cinema e eleita, em2005, a 12ª melhor trilha sonora de todos os tempos pelo American Film Institute. Ouça, a seguir:
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Psicodélica cena de sonho de Scottie, dirigida por Saul Bass.
É interessante notar que, mesmo após a resolução do mistério central, o filme continua tendo uma dimensão fantasmagórica, afinal Hitchcock não faz questão de tudo explicar ou explicitar. Por exemplo, em uma determinada cena, Scottie segue Madeleine até o hotel, sobe até o quarto e ela não está lá, desaparecendo misteriosamente. Em outra cena, Judy parece saber do sonho de Scottie sem que este a tenha contado. Esses mistérios (unidos a outros elementos como o uso da luz verde e a própria facilidade de Madeleine/Judy em sempre escapar das mãos de Scottie) dão à história um caráter ainda mais perturbador e intrigante.
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Kim Novak tinha 24 anos quando fez Um Corpo que Cai.
Abrimos nosso texto sobre Um Corpo que Cai, falando em números. Nada mais natural do que terminá-lo fazendo referência a outros. O filme concorreu a apenas dois Oscars (Melhor Direção de Arte e Melhor Som), não sendo premiado em nenhuma das duas categorias. É possível encontrar o título do longa em praticamente todas as listas de “melhores filmes de todos os tempos”, produzidas pelos mais diferentes veículos de comunicação e associações. Em suas respectivas listas, a revista Entertainment Weekly o classificou em 19º lugar, a Total Film em 2º, a francesa Positif também em 2º e o American Film Institute em 9º. Um Corpo que Cai também foi eleito o maior filme de mistério de todos os tempos na votação realizada pelo American Film Institute. A inesquecível obra-prima de Hitchcock é uma história de amor com ares de pesadelo. Nela, paixão e morte são duas faces da mesma moeda. 
¹ Saul Bass, in Dan Auiler, VertigoThe Making of a Hitchcock Classic, New York,St. Martin’s Press, 1998. P. 155.
TEXTO DE MINHA AUTORIA PUBLICADO ORIGINALMENTE NO DIA 13/02/2012 NA COLUNA CINEMATECA , DO SITE CINEMA EM CENA. 

3 comentários:

  1. O Alfred Hitchcock é um génio.

    Visita o meu blog: coisasclassicas.blogspot.pt

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  2. Grande Leonardo, Cara que Post é esse? Parabéns pelas informações precisas e interessantes,
    Acho Um Corpo Que Cai um dos melhores filmes de Hitch.

    Grande abraço

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