Lançamento: 2007
País: Romênia
Direção: Cristian Mungiu
Atores: Anamaria Marinca, Vlad Ivanov, Laura Vasiliu
Gênero: Drama
Duração: 113 min
Anamaria Marinca e Laura Vasiliu protagonizam 4 meses, 3 semanas e 2 dias. |
Laureado com o prêmio de Melhor Roteiro na edição deste ano do Festival de Cannes pelo filme Além das Colinas (2012), o cineasta romeno Cristian Mungiu já havia dado o que falar 5 anos antes, quando o segundo longa-metragem de sua carreira, 4 meses, 3 semanas e 2 dias (2007), levou a Palma de Ouro no mesmo festival. O multipremiado filme de 2007 é ambientado na Romênia de 1987. O filme retrata uma Romênia comunista, ainda sob o poder do ditador Nicolae Ceauşescu, que viria a ser executado dois anos depois.
4 meses tem como pano de fundo, uma Romênia cinzenta, triste e fria (salientada pela ótima fotografia), um país privado dos luxos e de certos confortos propiciados pelo capitalismo. Trata-se de um universo sombrio, em que determinados bens, produtos e marcas, só podem ser encontrados de maneira clandestina. O filme acompanha um dia na vida de Otilia (Anamaria Marinca) e Gabriela (Laura Vasiliu), duas grandes amigas que dividem um quarto numa república de estudantes. A história se inicia em media res, no fim de uma conversa entre as duas universitárias em que essas, provavelmente, tomam uma decisão que definirá o que farão a seguir, algo que permanece velado ao espectador até certo ponto da narrativa. Aos poucos, o espectador compreende que Otília está ajudando "Gabita", a melhor amiga, a planejar e realizar um aborto (o título do filme é uma referência ao tempo de gestação de Gabriela). É sobre os ombros de Otília que recai a responsabilidade de arranjar os últimos preparativos do procedimento, um grave crime no país. A moça deve encontrar um lugar seguro para a realização do aborto, contatar aquele que executará o procedimento e ainda lidar com problemas inesperados. Com pragmatismo e coragem, Otília chega a fazer sacrifícios para que tudo dê certo ao final.
Mungiu confere uma dramaticidade extraordinária à narrativa, que é relativamente simples, circunscrita a algumas horas na vida das protagonistas. O diretor romeno faz uso de belos e longos planos-sequências, abre mão da trilha sonora e explora magistralmente os "tempos mortos da narrativa" não apenas para dar o máximo de realismo a cada cena, mas também para captar o impacto que cada decisão tem sobre os personagens, a reação dos mesmos diante de situações-limites e para dar a real dimensão do sofrimento que, por vezes, não pode ser expressado com palavras. Mungiu prova sua habilidade e talento ao criar momentos completamente angustiantes, contrapondo as preocupações e os conflitos internos da protagonista ao mundo a sua volta, que, por vezes, se revela inesperadamente inóspito e agressivo.
Fugindo dos clichês e descartando as reviravoltas hollywoodianas, Mungiu concentra a força de seu longa-metragem no estudo psicológico de suas personagens e na dilatação da tensão no centro de uma trama relativamente simples, ancorada no quotidiano de pessoas reais, com problemas reais. Podemos perceber isso, em uma das cenas mais memoráveis do filme, um longo plano-sequência, em que Mungiu posiciona a protagonista no centro da tela, na extremidade de uma mesa de jantar, enquanto esta é rodeada de personagens que não cessam de falar, rir e se movimentar. Trata-se de um simples jantar na casa do namorado. Longe de servir como um parênteses na narrativa, um momento de descontração ou algo que desvie a atenção do conflito central da trama, tal "acontecimento" é uma provação a mais que Otília deve enfrentar no seu dia. Ainda que a moça permaneça praticamente calada, o desconforto da personagem, sua agitação interior e a urgência que vem com a passagem do tempo, fazem com que a cena ganhe contornos dramáticos que contrastam com seu caráter aparentemente trivial.
Mesmo que não explicite uma posição favorável ou contrária à prática do aborto, Mungiu mostra de forma contundente o que há de violento por trás da prática clandestina, tanto ao mostrar cruamente o procedimento, como na forte cena em que o feto em questão é exibido ao espectador. Sem ser panfletário, 4 meses reaviva a questão da interrupção da gravidez, sendo um dos filmes mais interessante a tratar do assunto.
Além da direção primorosa, 4 meses conta com um grande trabalho de seus atores principais. Anamaria Marinca, uma das grandes revelações do cinema romeno, incorpora com intensidade e naturalidade sua personagem e confere verossimilhança ao drama de Otília, que não deixa de ser uma heroína moderna. A protagonista assume uma responsabilidade que não é sua e encara uma jornada difícil em nome da amizade. Ao final, a personagem é tão ou mais exigida que a verdadeira grávida. Já a atriz Laura Vasiliu se destaca ao dar vida à fragilíssima Gabriela, o contraponto de Otília, uma personagem que impressiona tanto pela sua voz suave, quanto pelo seu comportamento irresponsável e quase infantil. Por fim, Vlad Ivanov interpreta o cafajeste Sr. Bebe, um sujeito verdadeiramente monstruoso. Apesar de pequena, a participação do ator é marcante e sua performance é impressionante.
Cristian Mungiu é um dos maiores representantes do cinema romeno atual. 4 semanas, 3 semanas e 2 dias é uma obra-prima envolvente e impactante: um filme nó-na-garganta. É inevitável não nutrir altas expectativas para a nova obra de Mungiu, Além das Colinas, ainda sem estreia prevista no Brasil.
Filmaço... estranho... que te surpreende justamente por não seguir os caminhos que esperaríamos... ótimo texto.
ResponderExcluirGostei do filme, mas me deixou meio mal.
ResponderExcluirMexeu muito comigo também... a direção é genial!!
ResponderExcluirAinda não conheço o diretor...
ResponderExcluirO Falcão Maltês
Esse é um dos que preciso adiantar. To em falta.
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