terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Hiroshima mon amour


“Você não viu nada em Hiroshima. Nada.”
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“Eu vi as pessoas caminharem. As pessoas passam pensativas pelas fotos, as reconstituições, na falta de outra coisa. E explicações, na falta de outra coisa.”
No dia 6 de agosto de 1945, a cidade japonesa de Hiroshima foi alvo de um ataque nuclear que resultou em cerca de 140 mil mortos. Quatorze anos depois, o cineasta francês Alain Resnais lançava o filme franco-japonês Hiroshima mon amour, um poema cinematográfico de amor e de morte que lança a questão: como falar de Hiroshima depois da bomba atômica? Como representar tamanha dor e tamanho absurdo? A princípio, Resnais pretendia fazer um documentário sobre os acontecimentos trágicos de agosto de 1945. No entanto, o cineasta decidiu incluir elementos de ficção ao seu projeto e designou a escrita do roteiro e dos diálogos do filme a ninguém menos que Marguerite Duras.
Alain Resnais é um dos mais célebres cineastas franceses, tendo sido um dos responsáveis por lançar um olhar novo sobre a forma de se fazer cinema nos 50 e 60. Contrariando formas narrativas tradicionais, explorando de uma maneira particular e moderna o potencial da linguagem cinematográfica, Resnais construiu uma filmografia impressionante. Dentre suas obras mais conhecidas, encontram-se Noite e Nevoeiro (1955), O Ano Passado em Marienbad(1961), Amores Parisienses (1997) e o recente Medos Privados em Lugares Públicos (2007). O diretor nonagenário acabou de lançar seu último longa-metragem, Vous n'avez encore rien vu (2012).
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“Senti calor na Praça da Paz. Dez mil graus na Praça da Paz. Eu sei. A temperatura do sol na Praça da Paz”.
Desde sua primeira projeção oficial, na edição de 1959 do Festival de Cannes, Hiroshima mon amour foi apresentado como o fruto de uma colaboração estreita entre Resnais e Marguerite Duras, um dos maiores ícones da literatura francesa do século 20. Além de romancista consagrada, dramaturga e roteirista, ela dirigiu 15 longas-metragens, dentre eles o cult India Song (1975). Marguerite Duras chegou a ser indicada ao Oscar em 1961 pelo roteiro deHiroshima mon amour. Pouco tempo após o seu lançamento, o filme teve seu script publicado em livro, o que prova a força poética do texto de Duras. No entanto, mesmo que o roteiro do filme possa ser lido separadamente, o texto de Duras encontra nas belas imagens de Resnais um eco e uma ressonância responsáveis por fazer, dessa obra-prima, um exemplar único na história da sétima arte.
Hiroshima mon amour se passa em 1957 na cidade que dá nome ao título. Em Hiroshima, uma atriz francesa (da qual nunca saberemos o nome) participa de um filme que fala justamente sobre a paz. No dia que antecede sua partida, ela encontra um arquiteto japonês (cujo nome também não é revelado) com quem ela tem uma intensa aventura amorosa. Esse encontro provoca uma série de reflexões sobre os acontecimentos da História que culminaram no bombardeamento em Hiroshima e Nagasaki, assim como os acontecimentos que marcaram a história pessoal da atriz, incluindo seu passado amoroso. O filme opõe e estabelece uma relação poética entre uma tragédia pessoal a uma catástrofe coletiva.
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“Hiroshima. Esse é o seu nome.” “Sim, esse é o meu nome. Seu nome é Ne-vers. Nevers na França.”
A questão da memória e do esquecimento é um dos elementos centrais do filme. A relação amorosa estabelecida em Hiroshima permite a reconstituição de um trauma do passado da jovem atriz, um episódio esquecido que remonta à época em que ela vivia em Nevers, pequena cidade francesa. O apelo à memória faz com que a personagem reviva e redescubra o que se passou em Nevers, como se os elementos esquecidos e reprimidos de seu passado e os fragmentos de sua história viessem à tona em sua consciência. Resnais e Duras traçam assim um paralelo entre o destino trágico de um indivíduo e o horror coletivo das vítimas da bomba atômica.
Após Auschwitz e Hiroshima, muitos artistas viram como necessária a invenção de novas formas artísticas. Hiroshima mon amour se interroga sobre a possibilidade de filmar aquilo que é irrepresentável e dizer aquilo que é indizível. As figuras de repetição presentes no texto de Duras, as elipses narrativas, a montagem baseada em associações e analogias e a representação de imagens mentais participam dessa tentativa de apreender o impossível. Não por acaso os críticos da célebre revista Cahiers du Cinéma chegaram a afirmar que Hiroshima mon amour é um filme sem precedentes na história do cinema, enfatizando sua modernidade.
Assista à célebre sequência de abertura do filme: 
Hiroshima mon amour é um filme que apresenta uma dupla dimensão: uma dimensão íntima e uma dimensão histórica. Essas duas dimensões se sobrepõem através da evocação à memória, ao passado, ao esquecimento e ao trauma. Alain Resnais e Marguerite Duras fazem um filme sobre Hiroshima a partir da premissa de que é impossível se fazer um filme sobre Hiroshima. E nessa tentativa de captar algo que testemunho nenhum pode comunicar, que está na essência do sentimento da perda e do trágico, eles realizam uma obra-prima única, de um lirismo incomparável.
Para o privilégio dos amantes do cinema, Emmanuelle Riva, a protagonista de Hiroshima mon amour, nos oferece, mais de 50 anos depois do seu grande papel, outro trabalho maravilhoso. Aos 85 anos, ela estrela o incrível Amor (2012), filme de Michael Haneke, ganhador da Palma de  Ouro em Cannes.
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“Assim como essa ilusão existe no amor, a ilusão de poder nunca esquecer… Eu tive, diante de Hiroshima, a ilusão de jamais esquecer, como no amor.”

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