Título original: Shame
Lançamento: 2011
País: Inglaterra
Direção: Steve McQueen
Atores: Michael Fassbender, Carey Mulligan, James Badge Dale, Hannah Ware.
Duração: 99 min
Gênero: Drama
Lançamento: 2011
País: Inglaterra
Direção: Steve McQueen
Atores: Michael Fassbender, Carey Mulligan, James Badge Dale, Hannah Ware.
Duração: 99 min
Gênero: Drama
![]() |
Michael Fassbender, o ator do ano, em cena de Shame |
No dia 22 de novembro, aconteceu a pré-estreia oficial de Shame em Paris. O longa-metragem levou o prêmio de Melhor Ator, no Festival de Veneza, este ano, e é apenas o segundo filme de Steve McQueen. O diretor inglês estreou nas telonas em 2008, com o excepcional Hunger. Uma sala gigantesca do MK2, grande rede de cinemas em Paris, ficou arrebatada de centenas de pessoas, a maioria delas ansiosas para ver um dos grandes astros do momento: Michael Fassbender. O ator, alemão de nascimento e irlandês de criação, aos 34 anos, estampa várias capas de revistas, lançou três filmes em 2011 e é considerado um dos maiores símbolos sexuais dos últimos tempos. Shame apenas reforça esse status.
O novo filme de McQueen conta a história de Brandon, um homem belo e desejado pelas mulheres, que cultiva um estilo de vida invejável em Nova York e que tem trabalho estável numa empresa de publicidade. Tudo estaria perfeito em sua vida, se não fosse por um detalhe: ele é viciado em sexo. Na entrevista realizada logo após a projeção do filme, Fassbender afirmou que, a princípio, não sabia como encarar seriamente essa situação. Afinal, por que ser viciado em sexo seria, necessariamente, um problema? O maravilhoso roteiro de Steve McQueen e Abi Morgan, no entanto, nos leva às profundezas desse vício, nos revelando sua face mais deprimente e dolorosa. Para complicar, a irmã caçula do protagonista, Sissy (Carey Mulligan), que sofre de depressão e tem tendências suicidas, se instala no apartamento de Brandon, invadindo a vida e o espaço do irmão, que não sabe como lidar com a sua presença.
![]() |
Cena inicial do filme |
McQueen nos apresenta a dois personagens à beira do precipício, em uma situação extrema. A carente e problemática Sissy lança um pedido de socorro mudo e desesperado para o seu irmão, que a ignora. Por mais que no fundo ele se preocupe com ela, Brandon não consegue demonstrar nenhum afeto pela irmã ou por qualquer outra pessoa. Mas, afinal, qual a origem do vício do personagem? O que ele tenta sublimar através da sua compulsão sexual? De fato, pouco sabemos do passado dos dois personagens. Pouco nos é dito pelo filme. Só sabemos que, aparentemente, Sissy e Brandon só têm um ao outro e que a vida pregressa desses dois irmãos, provavelmente, não foi nada fácil. A moça diz em certo momento: "Nós não somos más pessoas. Só viemos de um lugar ruim". Shame é, então, um sensível estudo de personagens, que não procura fazer deles meras caricaturas de seres "problemáticos". O filme também não se interessa em justificar os atos de seus protagonistas ou mesmo lhes proporcionar um artificial final feliz. Cabe ao espectador formular suas hipóteses.
Certos elementos encontrados em Hunger, podem ser vistos no novo filme de McQueen. Chamam a atenção o interesse pelos detalhes, a abundância de closes, os longos silêncios e o interesse pelo o que se repete. A frieza da câmera de McQueen esconde um vulcão que está prestes a entrar em erupção. Assim, a medida que o filme se desenrola, a história vai ficando dramática, até a irrupção do catártico último ato, o grande momento do filme. A direção, combinada com a qualidade das performances, nos proporciona um filme angustiante, profundamente triste e melancólico.
Algumas cenas demoram a sair da memória, como aquela em que Brandon ataca sua irmã, após ela tê-lo surpreendido se masturbando no banheiro. É impressionante como McQueen brinca com nossas expectativas, transformando bruscamente o tom da cena. A princípio, parece que estamos diante de lutinha entre irmãos. Sissy ri, como se finalmente pudesse ter um momento descontraído e de intimidade com Brandon, mas logo percebemos a agressividade do protagonista. O olhar de Sissy muda, tanto ela quanto o espectador percebem, subitamente, que não se trata de uma brincadeira. Brandon se sente coagido, no fundo, envergonhado de si mesmo. Ele não sabe como lidar com a vergonha que sente de sua compulsão e o título em inglês (Shame = vergonha) não poderia ser mais apropriado para a história. A presença de Sissy o faz confrontar esse sentimento.
![]() |
Carey Mulligan canta New York, New York em cena do filme |
O longa ainda deixa espaço para várias especulações. Por exemplo, o que teme Brandon com aproximação de sua irmã? Por que ele a rejeita tanto? Por que ele recusa qualquer contato físico com ela? Seria um possível medo do incesto? O filme nos permite essa leitura, ou mesmo, essa hipótese. Mas o que parece mais claro é que Brandon não consegue se relacionar afetivamente com mulheres, tudo passa pelo viés do sexo. No momento em que uma mulher se envolve romanticamente com ele, caso de Marianne (ótima participação de Nicole Beharie), ele não consegue consumar o ato sexual. Ele só consegue fazer sexo e é incapaz de fazer amor.
Michael Fassbender se entrega completamente ao papel. Uma entrega física e emocional. O ator protagoniza cenas de nu e cenas ousadas de sexo. Mas o que impressiona mesmo é a composição do personagem. Brandon é um homem calado, introspectivo, tímido a ponto de mal conseguir estabelecer uma conversa em um primeiro encontro. Sob essa superfície, encontra-se um indivíduo completamente atormentado, capaz de ser cruel, sórdido, vulgar, mas também capaz de se emocionar ao ouvir a irmã cantar pela primeira vez. Em uma das mais belas cenas do filme (ver foto abaixo), em que Brandon pede a Sissy para ir embora, a voz de Fassbender, carregada de ódio, é tão violenta quanto as coisas que ele diz para sua frágil irmã, interpretada por Carey Mulligan. A atriz é o perfeito contraponto de Fassbender. Ela encarna com extrema vulnerabilidade e sensibilidade a sua personagem, um ser perdido e carente. E uma grata surpresa: ela canta muito bem.
![]() |
Cena digna de Oscar em Shame |
Infelizmente, Shame só estreará no Brasil no ano que vem. O filme está cotado para algumas categorias do Oscar, sendo um dos favoritos a de Melhor Ator. Steve McQueen confirma ser um cineasta relevante, interessante e seu estilo é ao mesmo tempo sofisticado e visceral.
![]() |
Pôster francês do filme |